Aviso à navegação: preparem-se
para o testamento. Não se ponham a ler este post se não estiverem com tempo e
com paciência. Deixei de ter controlo sobre ele depois da décima página,
tornou-se um ser autónomo, agora já não posso voltar atrás. Boa sorte!
Há exactamente três semanas, sexta-feira dia sete de junho de dois mil
e treze, eu cheguei a Machu Pichu às sete e meia da manhã, depois de catorze
dias de viagem e quatro dias de Caminho Inca. Desde então tenho estado com essa
imagem gravada na mente e essa emoção cristalizada no peito, sinto que ainda
estou lá. E por isso surpreende-me que já tenham passado três semanas. O
regresso a Ayacucho depois desta intensa viagem não tem sido fácil, ando
nostálgica e alheada, evocando continuamente as imagens, os sons e os cheiros
desses dias. A realização de um sonho tão antigo traz consigo uma enorme carga
emocional que eu ainda não consegui digerir, nem voltar decentemente à vida
quotidiana, e os lugares e as pessoas desta viagem andam comigo pelas ruas de
Ayacucho.
Mas comecemos pelo princípio,
que até costuma ser um bom lugar para começar. Eu cheguei a Lima na manhã de
sábado vinte e cinco de maio para receber os meus queridos Cátia, Ricardo,
Tiago e Pedro, que depois de quatro meses de planos e antecipações chegaram
finalmente para me visitar e viajar comigo pelo meu país de adopção. Foi um
reencontro emocionante no terminal de autocarros da Cruz del Sur. Depois de
sete meses e meio longe dos meus amigos e da minha família, eu não podia crer
que eles estavam ali mesmo à minha frente, e que estava a falar português de
novo. A consternação que senti na noite anterior partindo de Ayacucho, sabendo
que ao meu regresso só me restaria um mês e meio aqui (e o coração já apertado
com essa ideia) dissipou-se completamente com o abraço dos meus amigos. Eu
soube instantaneamente que iam ser duas semanas maravilhosas.
O Ricardo, o Tiago, o Pedro, eu e a Cátia pouco depois do reencontro em Lima
A viagem começou logo com planos
alterados, como eu costumo gostar tanto: a mochila da Cátia não chegou no avião
dela por erro no transbordo de Lisboa para Madrid, iria chegar num voo mais
tarde, o que significava que teríamos de esperar em Lima até ao final do dia em
vez de viajarmos para a Lagoa de Huacachina à hora de almoço como era a ideia
inicial. Por isso o passeio rápido pela Plaza de Armas que tínhamos programado
transformou-se num tranquilo deambular por esta capital cinzenta, que decidiu
presentear-nos com sol durante o delicioso almoço de peixe com vista para o mar
num terraço do meu bairro preferido, Barranco. A meio da tarde separámo-nos: a
Cátia e o Ricardo foram ao aeroporto buscar a mochila estraviada e eu fiquei
com o Pedro e o Tiago passeando por Barranco e Miraflores. A nossa missão era
ir para o terminal da Cruz del Sur e esperar por eles para apanhar o último
autocarro para Ica, para o qual já tínhamos os bilhetes comprados. É de referir
que a minha colega de casa Floor vinha viajar conosco, tinha saído nessa manhã
de Ayacucho e já estava à nossa espera em Huacachina desde meio da tarde.
Há quem diga que quando as
coisas começam mal não podem acabar bem. Eu gosto mais de pensar que quando o
azar acontece ao princípio, a partir daí só pode melhorar. O voo em que vinha a
mochila da Cátia atrasou e o trânsito da hora de ponta fez com que ela e o
Ricardo não chegassem a tempo de apanhar o último autocarro da Cruz del Sur.
Não consigo descrever a tensão e o nervosismo. Explicámos a situação aos
senhores no terminal e conseguimos atrasar a partida do autocarro em dez
minutos, mas as minhas lágrimas em frente a toda a gente não foram suficientes
para ganhar o tempo necessário. Decidimos partir eu, o Pedro e o Tiago, e a Cátia
e o Ricardo foram de taxi procurar outra companhia que tivesse um autocarro
mais tarde. E se não houvesse, teriam de dormir em Lima e viajar para
Huacachina no dia seguinte, arruinando completamente os nossos planos de fazer
sandboard pela manhã.
Foi uma viagem de stress, e o
sentimento de impotência apoderou-se de mim de tal modo que nem conseguia
comer. Só pensava na Floor à nossa espera em Huacachina, o Ricardo e a Cátia em
Lima, o grupo tão recentemente unido agora separado. Mas as boas notícias
chegaram: eles tinham encontrado outro autocarro e chegariam uma hora e meia
mais tarde do que nós. Portanto, nós os três chegámos a Ica à meia noite e
apanhámos um taxi para Huacachina, e acordámos a Floor que já estava a dormir
no hostel Banana’s. E à uma e meia chegaram o Ricardo e a Cátia. A minha
energia já estava a fugir mas era caso para celebrar a tão esperada reunião dos
seis, e às duas da manhã fomos procurar um bar que estivesse aberto e onde
pudéssemos beber um pisco sour. Não só encontrámos um como fizémos amizade com
o dono e os amigos (porque àquela hora já eramos os únicos clientes e eles já
estavam “bem acompanhados”), e ainda tivémos direito a um pézinho de dança.
Lembro-me que quando começámos a delinear o plano para a viagem tínhamos dito
que esta seria a primeira noite de copos. Depois de má sorte e incidentes, o
plano cumpriu-se: estávamos os seis em Huacachina a beber um pisco sour. E não
tivémos mais nenhum azar até ao fim da viagem, pelo contrário – foi sempre a
melhorar. Portanto as coisas que começam mal podem mesmo acabar bem. Muito bem.
Ricardo, Floor, eu, Tiago, Pedro e Cátia no bar La Sirena
Huacachina
é um oásis no meio do deserto da costa do Perú com uma lagoa e muitos hosteis,
bares e restaurantes, a quatro horas para sul de Lima. Eu já lá tinha estado
uma noite em novembro, na primeira viagem que fiz aqui, a roadtrip com a Celsa,
o Otchoa, o Juan e o Willie (lembram-se?). Nessa altura, por falta de tempo,
falhámos o ex-libris deste destino: andar de buggy car nas dunas gigantes e
fazer sandboard. Este foi o primeiro lugar pelo qual eu me apaixonei no Perú e
na altura decidi que havia de voltar. E voltei agora, seis meses depois. Na
manhã de domingo, debaixo de um sol brilhante e um calor saboroso saímos de
buggy car pelas dunas desse deserto imenso. Andar de buggy car é super fixe! É
como andar na montanha russa, dá um arrepio na barriga quando subimos uma duna
inclinadíssima e chegamos lá cima para cair a pique pela vertente contrária, e
lembro-me de me questionar se a qualidade do carro e a destreza do condutor nos
protegeriam de um trambolhão. Não houve incidentes, e nós pedíamos para ir mais
depressa. A minha ideia de fazer
sandboard “morreu na praia”. Perante a inclinação das dunas e a velocidade de
deslize na prancha acobardei-me e fiquei a registar as acrobacias dos meus
amigos. A areia estava morna e era uma delícia andar descalça. Ainda pensei que
mais tarde me iria arrepender, mas agora vejo que não. Às vezes há que
enfrentar e superar os medos, outras vezes mais vale guardar a energia para
medos mais condicionantes. Contentei-me em rir dos trambolhões alheios e
contemplar a paisagem de dunas infinitas. Adoro o deserto.
A Lagoa de Huacachina
O plano para a tarde era apanhar
o autocarro para Nazca, onde iríamos dormir nessa noite, mas ainda tivémos
tempo de passar umas horas na piscina do hostel, apanhar um solinho, beber uns
pisco sours e sentir que estar de férias é fenomenal. Demos uma volta em redor
da lagoa e almoçámos no bar da noite anterior (onde encontrámos o dono com uma
ressaca daquelas…). Às quatro fomos de táxi para Ica, às cinco apanhámos bus
para Nazca e chegámos à hora de jantar. Contrariamente ao meu costume de viagem
já íamos com noite reservada porque no Banana’s tinham-nos recomendado um
hostel barato mas limpo e com bom ambiente, de modo que foi tudo bastante
rápido desde chegar, deixar as malas, tomar uma banhoca e ir dar uma volta.
Nazca tem pouco movimento ao domingo à noite e foi difícil fugir dos
restaurantes turísticos porque de resto estava quase tudo fechado, mas
encontrámos uma tasca para comer uma canjinha e começou a forjar-se nessa noite
o espírito que nos iria unir aos seis por toda a viagem: Pa’Nazca travellers.
Se não fosse pelas famosas
Linhas de Nazca, esta seria apenas mais uma cidade castanha e poerenta da costa
do Perú. Não tem nada em si mesma que valha a pena passar por cá, e todo o
turismo que se desenvolveu gira à volta das Linhas. Aqui é possível
sobrevoá-las numa avioneta, ou ver algumas a partir de torres de observação
espalhadas pela enormidade de área que ocupam estas misteriosas marcas na
planície deserta, deixadas pelos senhores da cultura do mesmo nome que floresceu
nesta região a partir do século cinco. Eram
conhecidas dos residentes locais mas tornaram-se mundialmente famosas depois da
senhora alemã Maria Reiche se fascinar por elas
e dedicar toda a sua vida e recursos a estudá-las. Não há uma explicação
comprovada sobre a sua exequibilidade, função ou propósito, mas existem muitas
teorias especulativas. A minha preferida é a que atribui a autoria a
extraterrestres, pois as linhas só são totalmente visíveis do ar devido às suas
amplas dimensões (a maior tem trezentos metros de comprimento) e os nazqueños,
na sua época, não dominavam engenhos voadores (que se saiba!). As restantes
hipóteses são mais plausíveis mas muito menos divertidas.
Das torres de observação só é
possível ver as mais pequenas: a Árvore, as Mãos e o Lagarto. Todas as outras,
incluindo as mais famosas como o Colibri, o Macaco ou o Alcatraz, só se podem
ver mesmo de avião. Na manhã seguinte o Ricardo e a Cátia decidiram voar
enquanto eu, a Floor, o Tiago e o Pedro requisitámos os serviços do Jefry, um
taxista muito caricato que nos fez a visita turística às torres de observação
com direito a todas as explicações técnicas e esotéricas sobre estas linhas
sulcadas no solo pedregoso e árido do deserto, e que se conservam sem qualquer
tipo de manutenção desde há milhares de anos, devido ao microclima propício
desta região. Teorias à parte, é fascinante observar estas linhas infindáveis
perfeitamente rectas e as figuras gravadas no chão, e em parte consigo perceber
a loucura da senhora, apesar de achar que tinha de ter uma grande pancada para
dedicar toda a vida àquilo.
À tarde a Cátia e a Floor
decidiram ficar de passeio pelo centro da cidade e eu e os rapazes voltámos a
requisitar o táxi do Jefry e fomos visitar as zonas arqueológicas em redor de
Nazca que testemunham a presença de civilizações ancestrais por estas bandas: o
Cemitério de Cauchilla e os Aquedutos. O nosso guia privado era muito
conversador e revelou-se um interlocutor muito divertido e informativo sobre os
locais que visitámos – podia estar a contar-nos uma enorme quantidade de
balelas, mas fê-lo com tanta convicção que eu engoli tudo sem duvidar. Foi uma
tarde muito bem passada e a paisagem do deserto pedregoso e árido ao pôr-do-sol
ficou-me gravada na memória.
O nosso guia Jefry
A
primeira viagem nocturna de autocarro foi de Nazca para Arequipa e tivemos uma
lua excecionalmente grande que nos deixava ver a paisagem lá fora: o deserto, o
Oceano Pacífico, e depois a entrada nas montanhas. O autocarro da Cruz del Sur
ia meio vazio o que nos permitiu apoderar-nos dos últimos bancos e de todas as
mantas e almofadas disponíveis, e montar um escarcéu de visita de estudo do
secundário – foi uma das viagens de autocarro mais divertidas que já tive aqui
no Perú. Confesso que por esta altura não andávamos a falar tanto inglês quanto
devíamos para que a Floor não ficasse excluída das conversas, e admito que o prazer
em falar de novo português com os meus amigos me fez esquecer demasiadas vezes
esse dever. Isto aconteceu regularmente durante o resto da viagem e não foi
muito correcto da nossa parte. I am sorry Floor, this is my public apologize to
you!
Chegámos a Arequipa às sete da
manhã, estremunhados de sono e com um frio de rachar. Fomos directos ao Hostel
The Point, uma cadeia de pousadas da juventude aqui no Perú que o Tiago e o
Pedro já conheciam por lá terem ficado na primeira noite em Lima. Fomos
recebidos por um recepcionista com cara de sono que nos indicou camas
disponíveis num dormitório para seis no terraço do hostel. As condições não
eram as melhores mas era limpo e confortável, no rés-do-chão tinha um bar, uma
mesa de bilhar, casas-de-banho com duches muito limpos, um pátio com esplanada
e computadores para acesso livre à internet. E a vista do terraço do nosso
quarto compensou tudo. Ao longe via-se o vulcão Misti, velando sobre a cidade
com o seu cume nevado.
Arequipa é a segunda cidade do
Perú em população e desenvolvimento e a primeira em cultura e beleza – assim
dizem os arequipeños. Há muito tempo que eu ouvia falar desta cidade e tinha
muita curiosidade em cá vir, sobretudo porque o Perú é muito rico em natureza e
paisagem mas pobre em cidades interessantes, e eu como europeia que sou já
tinha saudades da beleza citadina a que estou habituada no velho continente.
Arequipa não desiludiu. O dia que passámos a passear pelas suas ruas, praças,
pontes e miradouros transportou-me momentaneamente para casa e esqueci-me que
estava no Perú. Acabámos o dia com uma experiência única no Convento de Santa
Catalina, uma residência de freiras de clausura que é possível visitar à noite.
Depois de um pôr-do-sol fantástico num dos terraços percorremos o emaranhado de
corredores, salas, pátios e dispensas apenas iluminados por candeias de
petróleo e o fogo de lareiras e fornos, e fizémos uma “sessão de fotografias de
terror”. O meu medo do escuro garantiu-me uns valentes sustos, sobretudo graças
aos meus queridíssimos amigos que se divertiram muito à minha custa, mas foi
muito divertido e muito mais interessante do que fazer a mesma visita ao
convento durante o dia. Perdemos a visita guiada mas ganhámos umas fotos
geniais.
Arequipa: o vulcão Misti visto do nosso hostel
Plaza de Armas
Convento de Santa Catalina
Convento de Santa Catalina by night
A Floor e eu a tentar salvar o Tiago de ser sugado pelo poço dos espíritos!
Nessa noite tínhamos de dormir
cedo porque o dia seguinte ia começar de madrugada: íamos fazer um passeio pelo
Canhão de Colca, o desfiladeiro mais profundo do mundo (ainda mais que o Grand
Canyon americano) que fica ali mesmo na região de Arequipa. Fomos com um tour
organizado porque só tínhamos um dia para esta visita e foi a melhor forma de
ver o mais possível. Vieram buscar-nos ao hostel às três da manhã e aí
conhecemos o que seria o nosso guia durante esse dia: o Juan, um rapaz novo
muito amável e acessível, que respondia a todas as nossas questões e com quem
criámos uma boa empatia. O melhor de viajar são os lugares e as pessoas.
O passeio tinha de começar cedo
para chegarmos ao miradouro da Cruz del Condor, a cinco horas de distância, à
hora boa para ver o ex-libris voador dos Andes: o condor. O condor é uma ave necrófaga da família dos abutres, com uma envergadura
excepcional (até três metros de largura de asas e um metro e meio de altura) e
que apenas vive nesta cadeia montanhosa da América do Sul. Nos meus sete meses
e meio aqui ainda não tinha visto nenhum, e é um espectáculo impressionante:
chegamos a esta zona do Canhão de Colca onde os condores sobrevoam as montanhas
sem nenhum medo ou pudor dos turistas que se amontoam nos miradouros
construídos para disparar flachadas na fronha dos animais. São imensos, são
enormes e aproximam-se muito. São intimidantes, e não fora a certeza de que não
são caçadores e só comem carne morta eu teria receio de um ataque. Mas eles
parecem apreciar a atenção das pessoas e põe-se a jeito para as fotografias,
são muito engraçados. Só é pena a quantidade de turistas a acudir a este lugar,
dificultando uma apreciação tranquila da beleza natural e do espectáculo animal
oferecido. Com sorte consegui afastar-me da multidão e encontrar um bom ponto
de observação um pouco mais isolado, e quase quase conseguia fazer-lhes uma
festinha e falar com eles :)
De caminho para o almoço na
aldeia de Chivay parámos num banhos termais que não são em nada superiores às
furnas dos Açores mas valem pela água quentinha e pela paisagem deslumbrante
das montanhas em redor. Deu para tirar o pó e relaxar. E mais uma vez me senti
abençoada por estar de férias, estar no Perú e estar com os meus amigos.
A estrada de regresso a Arequipa
passa pela Reserva Natural de Salinas e Aguada Blanca, uma zona protegida com
trezentos e sessenta e cinco mil hectares onde é possível observar rebanhos de
lamas, alpacas e vicuñas em liberdade, espalhadas pela planície e pelos montes.
O ponto mais alto desta rota é o Miradouro de los Andes, a quatro mil, novecentos
e dez metros de altitude, e apesar do frio de rachar parámos para observar os
vulcões ao longe e fazer um montinho de pedras tal como os incas faziam quando
passavam de viagem por este lugar tão especial: cada pedra do montinho é um
pedido de benção à PachaMama, e a planície em redor do miradouro está pejada
deles. Daí seguimos directamente para Arequipa, onde chegámos três horas
depois, ao som de uma banda sonora muito peculiar: o Juan perguntou se alguém
tinha um USB com música e o Tiago passou-lhe o seu, que entre várias bandas
tinha o rock português dos Diabo na Cruz. As restantes pessoas do combi não
reagiram com muito entusiasmo à rocalhada cantada na língua de Camões, mas o
Juan ia a abanar a cabeça ao ritmo. A experiência de viajar num combi peruano
no meio do Canhão de Colca ao som de música portuguesa é indescritível! Quando
viajamos a nossa casa é o mundo, e pode ser em qualquer lugar.
Vicuñas na Reserva Natural de Salinas e Aguada Blanca
Miradouro Los Andes e os montinhos dos desejos - 4910 msnm
Ricardo, eu, Cátia, o nosso guia Juan, Pedro, Tiago e Floor no regresso a Arequipa
No
final desse dia tivémos a segunda viagem nocturna de autocarro, em direcção ao
Lago Titicaca para passar a fronteira para a Bolívia e chegar a Copacabana, e
daí ir à Isla del Sol. Foi quando eu comecei a ficar doente, e a ranhoca e a
tosse iriam acompanhar-me pelo resto da viagem até voltar a Ayacucho. Nessa
noite apanhei mais uma dose de nervos: fomos em dois taxis para o terminal de
autocarros e o taxista com quem foram a Catia, a Floor e o Pedro percebeu mal o
destino e levou-os para o aeroporto (confundiu terrapuerto com aeropuerto).
Really?!? Oh my god! Esperando por eles no terminal com o Tiago e o Ricardo e a
ver chegar a hora de partida do nosso autocarro, eu não queria acreditar que
aquela situação estava a acontecer outra vez! Na minha mente já desfilavam
hipóteses várias de alteração de planos caso o desaire se repetisse, mas desta
vez a PachaMama achou por bem dar sossego ao meu coração em risco de enfarte e
eles chegaram a tempo. E apanhámos o autocarro da empresa Julsa todos juntos.
Ufa!
Para chegar à Bolívia tivemos de
mudar de autocarro em Puno, na margem do Lago, onde eu já tinha estado em
dezembro. Chegámos às cinco da manhã, estava um frio de queimar orelhas e no
terminal a confusão era total entre vendedores tentando impingir um bilhete de
autocarro da sua empresa. Eu costumo ter bastante paciência para lidar com esta
pressão tão comum no Perú para vender o que quer que seja, mas estava com
demasiado sono e o senhor que me abordou cometeu o erro de ser absurdamente
insistente. Não levou a cabeçada que eu tinha vontade de lhe dar para que se
calasse e nos deixasse em paz, mas pouco faltou, e por fim lá se foi embora.
Acabámos por apanhar um autocarro às seis, e ao chegar à fronteira com a
Bolívia repetimos o ritual que eu e a Celsa tínhamos feito há seis meses atrás:
sair do autocarro, trocar dinheiro, carimbar o passaporte com o selo de saída
do Perú, atravessar a fronteira a pé, carimbar o passaporte com o selo de
entrada na Bolívia e voltar a entrar no autocarro em direcção a Copacabana.
Pelo caminho a paisagem familiar do Lago Titicaca recordou-me porque queria
tanto voltar aqui.
Copacabana
é um porto do lago cuja aldeia se desenvolveu unicamente por causa do turismo. Já
em dezembro eu reconheci um pouco da Costa da Caparica neste lugar: um
amontoado de hoteis, bares, lojas de souvenirs e restaurantes, com a sua rua
rincipal que desce da colina até à água. Fora o mercado e a catedral, surpreendentemente
grande para a pequena aldeia, não há muito mais coisas típicas para ver. É puro
turismo. Mas tem um ambiente que me fascina. Há seis meses atrás era época alta
e estava a abarrotar de hippies e de raggae, e eu e a Celsa estivémos aqui
apenas um par de horas antes de apanhar o barco para a Isla del Sol. Desta vez
eu tinha feito questão de sugerir aos meus companheiros passarmos aqui um dia e
uma noite, para poder conhecer um pouco mais e disfrutar do sol nas esplanadas
à beira do lago. Agora é época baixa e havia poucos turistas, dando um ar um
pouco lúgubre ao centro desta aldeia onde os bolivianos se encontram fora das
ruas turísticas, mas permitindo simultaneamente uma estadia mais tranquila.
O grande atractivo de
Copacabana, para além da ligação aquática à Isla del Sol, é o miradouro no cimo
do monte que ladeia a aldeia sobre o lago. É possível subir ao longo de um
trilho marcado com as estações da Via Sacra, e fizémo-lo na tarde de
quinta-feira dia trinta de maio, depois de um pequeno-almoço tardio e abundante
na esplanada de um bar na rua principal, com solinho e música de qualidade,
incluindo uma canção de Camané (que não é nada mas mesmo nada conhecido por
estas bandas!!). A melhor altura para ir ao miradouro é ao final do dia de modo
a chegar lá cima ao pôr-do-sol. Este foi o nosso primeiro treino para o Caminho
Inca, e comecei logo a acusar a dificuldade em respirar por causa da altitude
(o Lago Titicaca está a três mil e oitocentos metros acima do nível do mar). É
muito frustante porque a exigência do caminho nem é muita e fisicamente
sinto-me bem – as pernas gostam de caminhar. O problema é mesmo a escassez de
oxigénio, o coração começa a saltar do peito e os pulmões a querer sair pela
boca. E considerando o nariz entupido e a tosse, ainda pior. Fui subindo a um
ritmo quase vergonhoso (que seria a minha imagem de marca nos dias por vir). Mas
chegando lá cima a vista é indescritível e esquece-se o cansaço. Tínhamos o
pôr-do-sol mesmo à nossa frente e em redor apenas o lago de águas tranquilas,
com as margens ao longe. Dali também se vê Copacabana de cima, a baía estendida
para o lago, as esplanadas e os barcos que chegam e que vão.
Depois ficou de noite e o frio
começou a descer implacável sobre as nossas cabeças. Toda a minha vida tenho
vivido em cidades mais ou menos amenas e o frio intenso torna-se extremo para
mim. Até agora não conheço lugar mais frio do que o Lago Titicaca. Como podem
imaginar, isso não ajudou em nada à minha constipação, que cada vez se tornava
mais ruidosa. Nessa noite encontrámos um restaurante quentinho e acolhedor que
parecia tirado de uma estação de sky nos Alpes suíços, e comemos sopa e truta.
O cansaço e o frio pesavam-nos no corpo, mas Copacabana era o lugar ideal para
a nossa segunda noite de copos, assim que passámos ao bar mesmo em frente, do
outro lado da rua, e aproveitámos a happy hour para pedir dois cocktails pelo
preço de um e provar algumas especialidades bolivianas. Foi uma noitada curta –
antes das onze já estávamos a ressonar, bem enrolados no saco-cama sob os
cobertores e com meias de lã de alpaca para não morrer de frio.
Os lugares pelos quais me
apaixonei no Perú até esta viagem estão todos ao pé da água, em variadas formas:
Huacachina (oásis), Huanchaco (mar), Isla del Sol (lago). Quando estive no Lago
Titicaca em dezembro a experiência foi tão intensa que pedi à PachaMama a
possibilidade de cá voltar. E depois de Huacachina, o desejo de voltar à Isla
del Sol realizou-se também. Apanhámos o barco comunal em Copacabana na
sexta-feira trinta e um de maio à hora de almoço, depois de uma manhã de
compras – a Bolívia é o lugar mais barato da América Latina para comprar
artesanato têxtil. A viagem dura três horas, e ao contrário de há seis meses
atrás o barco estava meio vazio e com tantos bolivianos como turistas. A
paisagem familiar desfilava diante dos meus olhos e eu antecipava algo ansiosa
a visão da baía e das colinas da parte norte da ilha. Quando chegámos havia
crianças no porto à espera dos turistas para lhes ofereceram alojamento nos
hosteis dos pais – tal como há seis meses atrás. Desta vez ficámos no Hostal
Cultural, a meio caminho entre o porto e a praia, com quartinhos super acolhedores
e a inesperada promessa de água quente – que se cumpriu, mas só para alguns de
nós. Depois de nos instalarmos fomos à procura de um restaurante e encontrámos
quem nos servisse truta e frango apesar de já serem quatro da tarde. Levámos
mesas para o sol e almoçámos à beira do lago. Avistavam-se alguns bolivianos e
quase nenhum turista, e a Isla del Sol pareceu-me ainda mais bonita do que da
primeira vez. Adoro a época baixa. Foi uma benção estar naquele lugar, naquele
momento, na companhia daqueles amigos. Obrigada, PachaMama.
O dia seguinte amanheceu
solarengo e propício aos nossos planos: fazer uma caminhada pelo trilho que
atravessa a ilha de norte a sul pelo cimo das colinas. Da outra vez que cá
estive com a Celsa e os espanhóis Miguel, Julia e Alex fiz o trilho baixo que
segue a linha de costa e chega à aldeia na zona sul. A ideia na altura era
regressar pelo trilho alto mas a chuva e as horas apanharam-nos desprevenidos
(lembram-se?). Por isso desta vez propus ao pessoal fazer o percurso ao
contrário. E assim tivémos oportunidade de visitar as ruínas incas no
promontório mais a norte da ilha, lugar em que segundo a lenda, Inti, o deus
sol, criou os dois primeiros incas (Manco Capac y Mama Ocllo) que daqui partiram
para o Valle Sagrado e fundaram a cidade de Cuzco e o Império Inca. Lendas à
parte, o complexo arqueológico é bastante grande e a sua localização genial.
Daqui sai o trilho que serpenteia pelos cumes das colinas da ilha até chegar ao
sul. Qualquer ponto de vista desta ilha é um postal e é tão fácil encher um
cartão de memória com fotos. Eu não me sentia particularmente enérgica devido à
constipação e confesso que foi com esforço que caminhei neste dia. O humor
também não era o melhor – é difícil passar o dia a fungar e a tossir, sobretudo
quando se está de férias e se quer passear. De qualquer modo, a beleza da Isla
del Sol é indescritível e estar aqui outra vez fez-me muito feliz. Almoçámos
pão com queijo e bolachas no cimo do monte com vista para o lago, e regressámos
à aldeia norte pelo trilho baixo, ao longo da praia.
À chegada esperava-nos um banho quentinho no Hostal Cultural…mas não
para todos. A água do depósito acabou e o Pedro, o Tiago, o Ricardo e a Floor
já não tiveram a mesma sorte que eu e a Cátia e outro rapaz desconhecido que se
intrometeu inadvertidamente na nossa linha de espera para o banho, e tiveram de
esperar pela manhã seguinte. Nessa noite encontrámos outro restaurante
acolhedor e ameno para comer de novo truta e ficámos a jogar às cartas e a
beber cerveja – algo tão típico português que ganhou maior sabor deste lado do
mundo. Fomos dormir quando já éramos os únicos e o dono dava sinais evidentes
de querer fechar, mas não sem antes o convidarmos para um copito de aguardente
de figo que o Tiago tinha trazido de Faro para “intercâmbios culturais”. Era a tardia
hora de nove da noite, e o céu sem lua estava pejado de estrelas tão luminosas
como lampiões. Teria sido mais uma noite paradisíaca, se eu não a tivesse
passado acordada a assoar-me e a tossir.
Na segunda-feira dia dois de junho despedimo-nos da Isla del Sol e
regressámos a Copacabana. Eu gosto de pensar que não foi uma despedida
defintiva, apesar de saber que com tantos lugares ainda por conhecer neste
mundo não vou gastar tempo e dinheiro (tivera eu mais!) para voltar aqui pela
terceira vez. Em Copacabana passámos de novo um dia tranquilo a deambular pelas
ruazinhas e apanhar sol numa esplanada à beira do lago, e a prepararmo-nos
psicologicamente para a viagem nocturna de doze horas que nos levaria de volta
ao Perú e até Cuzco, o ponto final da nossa viagem a seis. De novo passámos a
fronteira a pé, de novo dançámos a dança dos carimbos no passaporte, e passámos
grande parte da viagem a jogar às cartas – o nosso passatempo preferido. Os
autocarros da empresa Huayruru são muito confortáveis e dormimos
refonfonhadamente. Mais teríamos dormido se não tivéssemos chegado ao nosso
destino duas horas antes do suposto (desde quando é que isto acontece no Perú?!).
Noutra situação este adiantamento seria útil, mas neste caso foi um problema,
simplesmente porque eram…quatro da manhã. O que é que íamos fazer àquela hora e
para onde?! No terminal ainda estava tudo fechado e a ideia de ir para a cidade
não era animadora. Ficamos a dormir aqui no chão até serem horas decentes? Vamos
dormir para a praça até abrir algum café para tomar o pequeno-almoço? Foi então
que o Pedro teve uma ideia de génio (àquela hora e com sono, foi mesmo de
valor): ele e o Tiago iam dormir essa noite em Cuzco enquanto a Floor ia
directamente para Machu Picchu e eu, a Cátia e o Ricardo seguíamos para o
Caminho Inca; eles iam ficar alojados no mesmo hostel da cadeia The Point de
Lima e Arequipa; então poderíamos ir todos para lá e pedir para ficar nos sofás
do átrio que todos os hosteis The Point têm até serem horas decentes para ir
tomar o pequeno-almoço. Era uma óptima possibilidade. Foi assim que demos por
nós a bater à porta de um hostel às quatro e meia da manhã, ver aparecer outro
recepcionista sonâmbulo, e depois de eu explicar três vezes a nossa situação no
meu melhor espanhol o rapaz conseguiu conectar o tico e o teco, e lá acedeu a
deixar-nos aterrar nos sofás armados de saco-camas e casacos enquanto o Pedro e
o Tiago faziam o check-in mais antecipado da história. Às oito levantámos o
acampamento improvisado e saímos para ver Cuzco à luz do dia.
Cuzco.
Só o nome provoca-me descargas eléctricas pelos nervos da cabeça aos
pés. Para mim esta é a cidade mais bela do Perú, e qualquer lisboeta que cá
venha percebe logo porquê. Não me canso de a visitar, poderia viver aqui um
período da minha vida. Fomos à Starbucks tomar o último pequeno-almoço juntos
por meu manifesto desejo, andava há dias a augar um “bom” café. Além disso, o
edifício fica numa das esquinas da Plaza de Armas e é um óptimo ponto de
observação da cidade – eu já tinha descoberto isso em dezembro com a Celsa. E
foi nessa esquina que eu olhei Cuzco nos olhos pela primeira vez há sete meses
e me apaixonei.
Nessa manhã começaram as despedidas que haviam de marcar a minha
recordação de Cuzco até ao fim da viagem: a Floor abandonava o grupo e ia
directamente para Aguas Calientes, para visitar Machu Pichu no dia seguinte e
daí regressar a Ayacucho. Não seria uma despedida por aí além não fora o facto
de estes serem os seus últimos dias no Perú: durante o meu Caminho Inca ela
iria fazer a sua festa de despedida em Ayacucho e quando eu voltasse da viagem
ela já estaria em Lima para apanhar o voo de regresso à Holanda, porque tinha
acabado o projecto de voluntariado. Ou seja, aquela foi uma despedia até não sabemos
quando, até à próxima vez que nos virmos na Europa ou sabe Deus onde. As
despedidas são um ritual necessário para que o espírito assimile a separação mas
cada vez mais me pesam, me afligem e me deixam marcas que eu não sei se estarão
a cicatrizar convenientemente.
Depois do pequeno-almoço eu, a Cátia e o Ricardo tivémos o briefing
informativo sobre o Caminho Inca, e o Tiago e o Pedro foram conosco à agência
Waiki Trek saber mais sobre passeios no Valle Sagrado e como ir para Machu
Pichu. A ideia era eles passarem esses dias na região e encontrarem-se conosco
no final do nosso trekking para passarmos juntos a última noite de viagem. Foi
nessa manhã que conhecemos os nossos guias Edgar e Javier e os integrantes do
grupo que seria a nossa pequena família para os quatro dias seguintes: os
australianos Chloe e Troy, os canadianos Brad, Andrew e Jaff e a americana
Janessa. À primeira impressão eu morri logo de susto: tinham todos um ar super
experiente de trekkings e um físico super apto. Eu percebi naquele instante que
o nível de exigência ia ser elevado e que eu ia ser a última do grupo. Não me
enganei. O guia Javier explicou o plano para o Caminho no seu inglês
surpreendentemente impecável para um peruano e eu demorei bastante tempo a
desligar o meu chip de português e passar para inglês. O meu tico e o meu teco
ainda estavam perdidos entre a Isla del Sol e o átrio do hostel The Point, e a
clareza de espírito que aquela gente demonstrava àquela hora da manhã
assustou-me indescritivelmente.
Acabado o briefing, era hora de desfazer as mochilas de duas semanas e
refazê-las com o indispensável para os quatro dias de Caminho. Havia a possibilidade
de contratar um carregador para levar a minha mochila, mas aliando os sessenta
dólares que teria de pagar extra do balúrdio doloroso que já foi o Caminho
Inca, à recordação das minhas caminhadas escutistas de mochila às costas,
decidi que ia levar o mínimo possível de roupa e nenhuma tralha inútil, e carregá-la
eu mesma. No final a minha mochila pesava oito quilos, e lá dentro levava uma
muda de roupa, uma camisola e um casaco, gorro e cachecol, sabão, escova e
pasta de dentes, desodorisante, protector solar e máquina fotográfica. E o
saco-cama. E os chinelos. E o passaporte. E mais nada. E mesmo assim pesava
oito quilos! Chiça!
Depois de uma banhoca e um almoço apressado começámos a nossa Waiki
Experience. A agência Waiki Trek foi fundada por um senhor nativo de uma aldeia
no Valle Sagrado e complementa o pacote geral que todas as agências oferecem
para o Caminho Inca com um extra incluído no preço: uma tarde e uma noite nessa
mesma aldeia para conhecer o estilo de vida dos camponeses e partilhar das
rotinas deles. Inacreditavelmente, nós os três fomos os únicos do grupo a
aceitar a experiência. Encaminhados pela Maruja, natural da aldeia e guia na
Waiki Trek, apanhámos um taxi e depois um autocarro e depois um combi carregado
de miúdos, e chegamos a Huayllaccocha uma hora e meia depois.
Huayllaccocha é uma aldeia típica do
Valle Sagrado onde as pessoas se dedicam à agricultura, vivem de um modo
singelo, trabalham de sol a sol e comem o que a terra lhes dá. A Maruja
levou-nos a ver os homens no campo a arar a terra com carros de bois, as
mulheres com os burros carregando sacos cheios de maçarocas de milho, e
explicou-nos tudo sobre os costumes e os cultivos daquele lugar. Ajudámos a mãe
dela a preparar o jantar e a adiantar o pequeno-almoço do dia seguinte (sopa de
milho, milho cozido, milho tostado, bolinhos de milho frito, ponche de favas e
batata - esta gente enfarda hidratos de carbono que é uma loucura), descubrimos
uma casa de banho exclusiva para nós e de fazer inveja a qualquer hotal de
cinco estrelas, e dormimos em colchões num antigo celeiro, depois de quase
termos morrido intoxicados pelo fumo do braseiro que a Maruja lá veio pôr para
aquecer o ambiente. Ou bem que morremos de frio, ou bem que morremos de fumo,
mas de certeza que não morremos de aborrecimento!
Terça-feira dia três de junho foi o início do Caminho Inca. Os guias
Javier e Edgar vieram buscar-nos numa carrinha da Waiki Trek com o resto do
grupo e seguimos para Ollantaytambo, a última aldeia do Valle Sagrado antes de
Aguas Calientes e Machu Pichu, onde parámos para beber um café e comprar as
últimas utilidades antes de nos pormos em marcha.
O Caminho Inca era o caminho real que os incas percorriam de Cuzco ao
Santuário Sagrado de Machu Pichu, onde deveriam ir em peregrinação uma vez por
ano segundo os seus costumes religiosos (como Meca para os muçulmanos). Este
caminho sai de Cuzco em direcção ao Valle Sagrado, passando pelas suas várias
povoações, e depois de Ollantaytambo embrenha-se nas montanhas, sendo os
últimos quarenta e dois quilómetros correspondentes ao Caminho Inca oficial que
se pode percorrer actualmente.
Quando os espanhóis chegaram a Cuzco e derrotaram o império inca, um
ano depois de terem aportado na que é agora a cidade de Lima, os incas fugiram
pelo vale para a aldeia de Vilcabamba e destruíram o trilho para Machu Pichu.
Por isso os conquistadores chegaram a Ollantaytambo mas não descubriram o
santuário, porque tinham sido apagadas todas as evidências da sua existência. E
só foi descuberto já no século passado pelo americano Hiram Bingham porque este
andou a curiosar em busca de Vilcabamba, o último refúgio dos incas, e por
coincidência chegou ao lugar sagrado de Machu Pichu e depois descubriu o
caminho real ao fazê-lo ao contrário, em direcção a Cuzco.
Por isso, a maior parte do Caminho Inca que se pode percorrer hoje foi reconstruído,
sendo apenas os últimos nove ou dez quilómetros constituídos pelos degraus e
pedras originais que os incas lá puseram. O trilho está dentro do Parque
Nacional do Caminho Inca, gerido pelo Instituto Nacional de Cultura do Governo
Peruano, e se até ao final do século passado era possível caminhá-lo
livremente, sem agências, sem guias e sem pagar, hoje em dia já não é, o número
diário de pessoas está limitado e existem regras de comportamento muito restrictas
por questões de conservação. E por questões de dinheiro, convenhamos também. O
balúrdio que duzentos turistas diários pagam para poder entrar no parque e
percorrer o trilho é uma grande fonte de lucro para o estado peruano. Entre o
bilhete de entrada no parque, o bilhete de entrada em Machu Pichu e o bilhete
de comboio de regresso a Cuzco, o que sobra para a agencia nem é muito,
considerando que são quatro dias de “pensão completa”, onde inclusive nos dão
água, fruta e bolachas para o caminho. E a um grupo de nove caminhantes
correspondem cerca de catorze carregadores, que levam as tendas, os pratos, os
copos, os talheres, os alguidares, o fogão e a botija de gás, os vegetais e
toda a comida e material necessários para os quatro dias, desde o momento em que
saímos de Cuzco. É toda uma infraestrutura impressionante, e a Waiki Trek
geriu-a de forma impecável.
A reserva do Caminho Inca pode ser uma aventura, devido à limitação
diária. Eu, a Cátia e o Ricardo começámos a planificar isto em janeiro e toda a
restante viagem girou em redor das datas em que havia disponibilidade no trilho.
Por isso é que, com cinco meses de antecedência, só conseguimos comprar
entradas para a primeira semana de junho. Existe uma míriade de agências
peruanas e internacionais, mais baratas e mais caras, que oferecem serviços
para o Caminho Inca. Entre os vários níveis de preço as condições são todas
muito parecidas entre si, e as agências incluem mais ou menos os mesmos
serviços. Por isso não é nada fácil escolher. Eu baseei-me no meu guia South
America Handbook, que anteriormente já me tinha prestado informações credíveis
e preciosas viajando pelo Perú, e juntamente com a Cátia e o Ricardo comparámos
preços, procurámos opiniões e conselhos na internet e acabámos por escolher a
Waiki Trek pelos seguintes motivos: é uma agência nativa e não estranjeira, ou
seja, o dinheiro que pagamos fica no Perú; não é a oferta mais barata nem a
mais cara, ficando ali no meio em que se costuma dizer que está a virtude; e
oferece o extra da Waiki Experience inteiramente gratis como já vos contei.
Eu não costumo gostar de tours organizados, nem de andar em rebanho
atrás de um guia, nem que me condicionem o tempo e a vontade. Confesso que
nesta viagem tivémos óptimas experiências com o Jefry em Nazca e o Juan no
Colca Canyon, e não havendo outra alternativa para percorrer o Caminho Inca,
considero que fomos verdadeiramente abençoados com sorte: o Edgar e o Javier
são os melhores guias que algumas vez conheci, super profissionais mas
simultaneamente humanos e muuuuuuuito divertidos e animadores; os carregadores
da Waiki Trek fazem um trabalho impressionante e todo o serviço da agência tem
cinco estrelas de qualidade – inclusive o menú escolhido para as refeições; a
relação hierárquica na empresa está muito diluída, e o reconhecimento do
trabalho é constante e mútuo. Conseguem transmitir aos caminhantes o verdadeiro
sentimento de uma família, durante quatro dias fomos a Waiki Family e eu senti
isso no fundo do coração. Também tivémos muita sorte com o grupo: depois do
choque inicial e de algum desconforto da minha parte fomo-nos conhecendo e
ganhando confiança, partilhar o caminho aproximou-nos e criou uma enorme
cumplicidade entre todos. E ao fim de quatro dias éramos mesmo uma família, em
que cada personalidade distinta e as manias pessoais tinham espaço para se
manifestarem. Além disso, importa referir que éramos todos pessoas de mente
aberta e muito divertidas. Foi um óptimo grupo e tenho muitas saudades vossas,
Cátia, Ricardo, Brad, Andrew, Jaff, Chloe, Troy e Janessa.
Depois de Ollantaytambo seguimos de carrinha para o ínicio oficial do
Caminho Inca, o primeiro posto de control no lugar de Piscacucho. Aí mostrámos
os passaportes e recebemos um carimbo de entrada – uma espécie de “visto de
turismo” para o Parque Nacional do Caminho Inca. E tirámos a nossa primeira
fotografia de grupo. É curioso olhar para esta foto agora. Nessa altura ainda
éramos todos estranhos uns para os outros, estávamos frescos e enérgicos e
sabíamos mais ou menos o que nos esperava, mas não tínhamos nenhuma noção do
que ia acontecer ao longo dos quarenta e dois quilómetros que íamos caminhar
nos quatro dias seguintes.
Últimas preparações em Piscacucho
Troy, Jaff, Chloe, Janessa, Cátia, eu, Brad, Ricardo e Andrew: the very beginning!
O primeiro dia de caminhada foi relativamente fácil. Percorremos um
total de onze quilómetros em cerca de seis horas, com pequenas pausas para
descanso e paragem para almoço. O caminho serpenteava pelas montanhas e subia
sem demasiadas inclinações até aos três mil metros de altitude onde pernoitámos
no primeiro acampamento do Caminho Inca, Wayllabamba, que em quéchua significa
algo como “planalto relvado”. Eu senti desde logo a escassez de oxigénio e a
dificuldade em respirar, fui desde logo a mais lenta do grupo e a última a
chegar às pausas e ao almoço, mas mantive um ritmo bastante bom e não sofri
muito. A paisagem durante todo o dia foi indescritivelmente bela. Não era nova
para mim, já estou habituada às montanhas, mas foi a primeira vez que fiz um
trekking embrenhada nelas, e a sensação é muito diferente de andar de carro na
estrada. O céu esteve quase sempre nublado, o que ajudou à caminhada. Não
estava calor nem frio. Perfeito.
Ao longo do caminho o Javier e o Edgar colocavam-se no princípio e no
final do grupo e iam conversando conosco, contando-nos curiosidades sobre o
trilho, informações sobre a história dos incas, e partilhando experiências do
Caminho. Eram extremamente acessíveis para qualquer dúvida ou questão que
tivéssemos e a tudo davam um tom amigável, tranquilo e divertido. Foram sem
dúvida um factor imprescindível para o sucesso da nossa experiência. E
avisaram-nos que no Caminho Inca existem três regras: “No whining, no crying, no dying”. Eu nunca lamuriei mas quebrei a segunda regra e quase quebrei a terceira, como vos contarei mais
adiante.
Nessa noite deitámo-nos cedo depois de um jantar delicioso e uma
garrafa de vinho carregada pelo Brad e partilhada entre todos. É de ressaltar
com louvor a qualidade da comida que nos serviram durante os quatro dias, digna
de restaurante e nunca por mim imaginada para uma situação de caminhada e
acampamento. É incrível pensar que o chef cozinhava aqueles petiscos num fogão
de campismo dentro de uma tenda de campanha. As porções eram algo pequenas,
sobretudo para os rapazes que eram todos cavalões, mas tínhamos direito a
entrada, sopa, prato, sobremesa, sumo e chá, e para o pequeno-almoço panquecas,
iogurte, fruta, pão, chá, café e leite com chocolate. E às cinco era hora de
chá e bolachas. A nossa rotina desses dias consistiu em acordar às cinco e meia
da manhã, tomar o pequeno-almoço e arrumar as tralhas para sair de campo às
sete. Entre a uma e as duas almoçávamos, às cinco da tarde tínhamos o lanchinho
e às sete jantávamos, para às oito e meia já estar a dormir.
Na manhã do segundo dia eu e a Cátia acordámos com água dentro da
tenda. Tinha chovido durante a noite e como a tenda não estava devidamente
montada passou água do duplo tecto e pingou por cima das mochilas e da roupa.
Foi o primeiro contratempo e confesso que fiquei um pouco mal-humorada, montar
tendas não é uma ciência estratosférica e eles deviam ter já muita experiência
naquilo! Além disso, é péssima a sensação de acordar molhada. O responsável das
tendas pediu desculpa e prometeu que não voltaria a acontecer – e não aconteceu
mesmo, porque o senhor passou o resto dos dias de roda da nossa tenda e cada
vez que chovia vinha por-lhe plásticos extra em cima. Depois do pequeno-almoço o
Javier e o Edgar apresentaram-nos a equipa de chasquis, os carregadores.
Chasquis eram os mensageiros do antigo império inca que percorriam as estradas
do Andes transportando mensagens de uma ponta à outra do território, subindo e
descendo as montanhas a uma velocidade impressionante e integrando uma rede de
comunicações muito bem montada, com pontos de controlo e descanso onde os
chasquis passavam a mensagem ao seguinte. Graças a este sistema os incas podiam
comunicar rapidamente entre si, desde a capital Cuzco até Santiago do Chile e
Quito no Ecuador.
Em honra dos antigos mensageiros incas e pela destreza física que
apresentam, os carregadores do Caminho Inca também são chamados afectuosamente
de chasquis, e é graças à sua capacidade de carga e de locumoção que nós,
gringos, podemos viver intensamente esta experiência. A equipa Waiki Trek é constituída
por catorze chasquis, cada um com uma função específica, desde o cozinheiro ao
montador de tendas, e o Javier apresentou-nos cada um deles pelo nome e
explicou a importância da sua função. Foi um momento muito bonito e que nos
abriu a todos os olhos para a importância do trabalho destes homens que
carregam vinte a trinta quilos às costas para que nós possamos comer e dormir
no final da nossa jornada. E também nos ensinou que quando os víssemos passar
ao longo do Caminho, devíamos encostar-nos ao lado esquerdo do trilho para
deixá-los passar à sua velocidade em muito superior à nossa, e devíamos gritar
“Chasquis!” para que os caminhantes à nossa frente soubessem que vinham aí
carregadores. Esta expressão tornou-se familiar na nossa rotina desses quatro
dias tantas foram as vezes que passámos a utilizá-la. E ainda agora me faz
sorrir.
Este segundo dia foi o mais
duro, e teve para mim um significado muito profundo de superação pessoal. Foram
cinco horas seguidas a subir uma vertente muito inclinada que não amainava, até
ao ponto mais alto do Caminho, Warmiwañusca ou “Passagem da Mulher Morta”, a
quatro mil e duzentos metros de altura. Esse ponto é assim denominado porque
olhando-o a partir da base da montanha tem a forma de uma mulher deitada (mas
para mim o significado foi outro!!) O nosso grupo era bastante rápido e chegou
lá cima antes do tempo, mas eu e o Ricardo estávamos a ter bastante dificuldade
em respirar e fomos ficando para trás. O Javier e o Edgar iam alternando em
fazer-nos companhia, mas houve muitas alturas em que segui o meu próprio ritmo
e caminhei sozinha. Estes momentos de solidão no meio da montanha foram
preciosos, apesar de nunca terem durado muito porque havia sempre chasquis e
outros caminhantes a passar por mim. No entanto, não era a multidão que eu
temia, os duzentos caminhantes e trezendos carregadores diários dispersam-se
muito ao longo do Caminho permitindo uma experiência bastante individual. Senti-me
envergonhada quando fui ultrapassada por um casal de setenta anos em plena
forma física, mas quando o Edgar me apanhava depois de me ter dado um avanço de
propósito dizia sempre que eu estava a ir muito bem e que não tinha de me
preocupar. Estava sempre atento ao meu ritmo cardíaco e lembrava-me de respirar
devagar, e a certa altura até pôs música no Iphone para me dar ânimo.
A mochila pesava-me e eu
avançava devagar. Comecei num jogo divertido com o casal de setenta anos entre
ultrapassagens mútuas quando fazíamos pausas para descansar. A certa altura a
dificuldade em respirar agudizou-se e eu comecei a ver as coisas mal paradas. A
garganta parecia fechar-se como quando se tem um choque anafilático, e eu tinha
de parar e dizer-lhe mentalmente para me deixar respirar. Ao longe via
Warmiwañusca e em redor as montanhas, as lamas e as alpacas, e depois um troço
embrenhado na floresta. Foram momentos que não consigo descrever em palavras.
Foi muito mais duro do que eu já estava à espera, e apesar de nunca ter sentido
que não ia conseguir, questionava-me quantas horas extra ia demorar, pelo ritmo
lentíssimo a que avançava e as pausas frequentes que precisava de fazer. Muitas
vezes praguejei em silêncio: “F*** the incas!”
A cerca de dez metros do cume os
meus colegas de grupo, já chegados há muito, começaram a chamar por mim e a
dar-me ânimo. Foi quando colapsei. A minha garganta fechou-se definitivamente e
sentei-me sem conseguir respirar. No sofoco tentei não entrar em pânico mas não
consegui controlar-me e desatei a chorar. O Ricardo e o Edgar estavam comigo, e
ele sacou da bomba de oxigénio que carregava na mochila para me dar uma
drunfada. Eram quatro mil e duzentos metros de altitude, cum catano! Mas eu
chorava porque só faltavam dez passos e eu estava a “morrer na praia”! Nesta
altura lá em cima já estavam todos a gritar por mim e ficaram-me gravadas nos
ouvidos as palavras do Javier: “Vamos, preciosa, tu puedes!” O Brad tinha
descido para gentilmente se oferecer para levar a minha mochila, mas entretanto
eu já estava a recuperar e declinei a oferta agradecida e lisongeada. Não podia
desistir agora. Havia de chegar lá cima com a minha mochila às costas e pelo
meu próprio pé. Diz quem viu que depois do dopping eu fiquei em altas e subi os
últimos metros quase a voar. Chegando ao cume fui aplaudida e festejada, e
tirámos a segunda foto de grupo. Tinham ficado todos à minha espera (imenso
tempo, claramente) e não se foram embora sem eu chegar. E eu cheguei! Foi uma
sensação brutal e precisei de algum tempo para me recompor antes de pensar no
que vinha a seguir. E comecei a chorar de emoção. Segunda regra quebrada,
terceira regra foi por pouco! Mas como dizia o Javier, “what happens in the
Inca Trail stays in the Inca Trail”, portanto ninguém precisa de saber.
Quem
muito sobe, muito terá de descer. Os incas foram um povo muito à frente mas
desconheciam a tecnologia para construir túneis através das montanhas. Por
isso, depois de cinco horas para subir mil e duzentos metros descemos durante
mais duas até ao lugar do almoço, que seria também o acampamento para essa
noite: Pacaymayu, a três mil e seiscentos metros de altitude. Enquanto todos se
queixavam dos joelhos (é verdade que descer é muito mais violento para o corpo
do que subir) eu estava feliz da vida – não me doía nada, não me custava
respirar, o meu coração não me atraiçoava. E durante duas horas não fui a
última do grupo.
Depois do almoço mais tardio e
mais merecido do Caminho passámos o resto da tarde a descansar no acampamento.
O Troy sacou da garrafa de vinho que ele também tinha trazido e partilhou-a, o
Andrew seguiu a onda e abriu uma garrafa de pisco, a Cátia ofereceu-nos marshmallows.
O Javier e o Edgar contaram-nos imensas históricas cómicas ou trágicas de
outros turistas com quem fizeram o Caminho, e cada um foi partilhando
experiências de outras viagens e outros trekkings. Foi uma tarde feliz, com um
sentimento de conquista no peito. À noite o céu estava tão estrelado que quase
não havia um centímetro escuro e antes de dormir eu, a Cátia e o Brad começámos
uma disputa a ver quem via mais estrelas cadentes, enquanto o Ricardo andava à
volta da sua câmara a fazer longas exposições.
O terceiro dia foi o mais
cultural. A paisagem muda radicalmente ao entrarmos numa zona de selva húmida e
luxuriante repleta de árvores, musgos e insectos. Não houve subidas
pronunciadas e eu consegui manter o ritmo do grupo e não ficar para trás. Foi
também o dia em que passámos por vários lugares arqueológicos, ruínas de cidades
incas e postos de controlo para os antigos chasquis. É um previlégio poder
visitar estes lugares de ruínas tão bem conservadas e praticamente vazias – só
passa por aqui quem percorre o Caminho, ficando estes lugares vedados ao
público em geral. Podemos apreciá-los com silêncio e tranquilidade e vaguear
sozinhos sem mais turistas. O Javier explicava a história de cada lugar onde
parávamos e respondia a toda e qualquer dúvida nossa. De novo senti que se fosse
tudo invenção eu não me importava e acreditava, tal era a convicção com que ele
falava. Por esta altura os guias já me chamavam “a peruana”, em virtude de
falar espanhol, viver cá e partilhar da sua cultura. Este facto aumentou ainda
mais o à-vontade e a confiança que desenvolvi com eles durante estes dias.
Nessa
tarde começou a chover e assim continuou por três horas seguidas, coincidindo
com a última descida para o último acampamento, numa sucessão de degraus que
parecia nunca mais acabar. Até eu já me queixava dos joelhos e mais uma vez
amaldiçoei os incas no meu pensamento. Muito subir para depois muito descer!
Tínhamos de nos concentrar tanto nos degraus escorregadios e areias resvalosas
que quase não podíamos levantar a cabeça para apreciar a paisagem. Mas de vez
em quando eu fazia uma pausa e ficava boquiaberta: uma bruma envolvia a
montanha e não se via nada do precipício para baixo. A chuva continuava a cair
sem misericórdia sobre as enormes folhas verdes da vegetação espessa. Estávamos
empapados até aos ossos.
Edgar, eu, Janessa, Ricardo, Andrew, Brad, Jaff, Catia, Triy, Chloe e Javier: almoço de luxo.
Um túnel natural
Sayaqmarca
Passagem de Runkuraqay - 3710 msnm
À chegada ao acampamento ao
final da tarde o humor era pesado. Continuava a chover e dentro das tendas era
impossível secar roupa e sapatos molhados. Reunimo-nos na tenda das refeições e
todos se questionavam apreensivos sobre as previsões metereológicas para o dia
seguinte – é que as mudas de roupa eram poucas e sapatos eram só um par! O
Javier e o Edgar tentaram elevar-nos a moral, bebemos chá e jogámos às cartas.
E quando parou de chover fomos ver o sítio arquológico perto do acampamento, o
último antes de Machu Pichu: Wañyawayna, em quéchua “Para sempre jovem”. Foi
uma estupefacção! É impressionante! É um aglomerado extremamente bem conservado
de casas e terraços agrícolas empinados numa vertente inclinadíssdima,
correspondente ao último lugar de pernoita dos peregrinos antes de chegar ao
santuário sagrado. E estava TO-TAL-MEN-TE vazio, ruínas incas só para nós! Foi
uma surpresa fantástica que elevou a moral de todos e nos fez sentir que os
sapatos molhados já não importavam assim tanto – estávamos ali os nove a presenciar
aquele espectáculo. Ainda tivémos oportunidade de confraternizar com umas lamas
muito simpáticas que cirandavam por ali e se punham a jeito para a foto.
Nessa noite jantámos cedo,
despedimo-nos da nossa equipa de chasquis com discursos e fotografias, e fomos
dormir ansiosos – no dia seguinte tínhamos de acordar às três e meia para ir
para Machu Pichu! Estávamos às portas do nosso destino! Durante a noite voltou
a chover e eu acordei muitas vezes com os nervos e o frio. Não sei quanto dormi,
mas tinha aquela estranha sensação de ter estado sempre acordada.
Na sexta-feira dia sete de junho
de dois mil e treze tomámos um pequeno-almoço apressado, arrumámos a nossa
tralha e rumámos ao último posto de controlo antes de Machu Pichu. O posto só
abria às cinco e meia, mas a ideia era chegar lá o mais cedo possível para
ganhar um lugar sentado e protegido debaixo do alpendre onde cabiam apenas
trinta ou quarenta pessoas abrigadas da chuva. Tivémos, portanto, de esperar
uma hora antes da abertura do posto, e passámo-la na conversa. Às cinco e meia
seguimos viagem: a previsão era chegar ao Intipunku, o “Portão do Sol” em uma
hora e depois caminhar mais uma até Machu Pichu. No Intipunku teríamos a
primeira visão do nosso tesouro.
Caminhámos na escuridão durante
bastante tempo até começar a clarear a aurora. Não vimos o nascer do sol porque
o céu estava nublado, e à nossa volta as montanhas estavam envoltas em neblina.
Os últimos metros antes de chegar ao Intipunku são degraus íngremes e altos – o
Caminho é sofrido até ao fim! Comentávamos entre nós que os espanhóis, na
verdade, haveriam descoberto o trilho, mas com tanta subida e descida teriam
mandado o santuário à fava. No cimo, o clímax: Machu Pichu no horizonte! O mais
ridículo é que eu sabia que aquele era o primeiro ponto de onde o podíamos ver,
mas quando cheguei lá cima nem o reconheci. Demorei alguns segundos a dar-me
conta do que os meus olhos viam, enquanto à minha volta os meus companheiros
explodiam em emoção e abraços. Aqui tirámos a terceira foto de grupo, e ouvimos
mais uma explicação do Javier. Tínhamos chegado! Tínhamos conseguido! Estávamos
em Machu Pichu!!!
Intipunku - o Portão do Sol
A primeira visão de Machu Pichu
Chegámos!!!
No
caminho de descida encontrámos o Tiago e o Pedro que tinham vindo para Aguas
Calientes na noite anterior e agora se juntavam a nós para o resto da tour.
Entrar em Machu Pichu foi um choque: estava cheio de gente! Mesmo àquela hora
precoce da manhã já havia imensos turistas, e durante o dia foi enchendo ainda
mais. Depois de quatro dias longe da civilização e mal habituados a ter ruínas
vazias só para nós, chegar ao nosso destino sonhado e vê-lo a abarrotar de
pessoas foi um balde de água fria na nossa emoção. Sentíamo-nos especiais,
sentíamo-nos superiores: nós tínhamos caminhado o Caminho Inca, nós tínhamos
chegado ali A PÉ! Nós merecíamos Machu Pichu! Enquanto passávamos com os nossos
mochilões no meio dos outros visitantes frescos e fofos íamos gritando
“Chasquis! Chasquis!” e sentíamo-nos verdadeiramente incas como os nossos
carregadores.
Percorremos o santuário ao som
das explicações do Javier, que em cada canto nos contava uma história e
aumentava o nosso saber. Machu Pichu é sagrado pela sua localização
especialíssima na encosta de uma montanha, pela distribuição única das
montanhas em redor e pelo alinhamento do sol nos solstícios de verão e de
inverno. A técnica construtiva e o engenho astronómico são impressionantes e é
impossível não ficar fascinado ao pensar que esta coisa foi construída há mais
de quinhentos anos atrás. Infelizmente, Machu Pichu não foi concluído devido à
chegada de nuestros hermanos a Cuzco,
os acessos foram destruídos e esta cidadela sagrada ficou envolta em bruma e
desconhecimento até ao século passado. Imaginem a estupefacção do americano
quando por acaso deu com a fronha neste tesouro! Aí não havia turistas, mais de
metade do complexo estava coberto de selva e o senhor teve a sorte de ser o
primeiro a sentir a aura mágica deste lugar. E durante quase um século os
visitantes puderam vê-lo dessa forma também. Lembrei-me inevitavelmente do Che
Guevara e da cena do filme “Diários de Motocicleta”: foi esse filme que me
mostrou Machu Pichu e me pôs este sonho no coração. E agora, nove anos depois,
eu cheguei para realizá-lo. Finalmente!
Brad, Ricardo, Troy, Jaff, Andrew, Chloe, eu, Catia, Janessa
Waiky Family no Machu Pichu - 7 de Junho de 2013 - never forget!
A
meio da manhã o grupo dividiu-se: eu, o Ricardo e os canadianos tínhamos
bilhete para subir a Wayna Pichu, a montanha atrás do santuário, enquanto os
restantes seguiam a visita às ruínas com o Javier. Marcámos ponto de encontro num
restaurante em Aguas Calientes, para almoçarmos juntos e nos despedirmos dos
nossos queridos guias. Depois de quatro dias acima e abaixo nas montanhas com a
mochila às costas, subir aos dois mil e novecentos metros sem peso foi canja.
Claro que a respiração acusou, claro que o ritmo não foi acelerado. Mas cheguei
lá cima ao fim de cinquenta minutos sem precisar da minha amiga bomba de
oxigénio, apesar das condições de subida, dos degraus íngremes e do perigo
iminente, razão pela qual todo o visitante tem assinar, à entrada, um termo de
responsabilidade pela própria integridade física ao decidir subir à montanha. Chegando
lá cima, a estupefacção, o deslumbramento, Machu Pichu visto de cima! Montanhas
majestosas e cumes nevados caindo a pique sobre o rio e os vales. É indescritível,
é sem dúvida o lugar mais bonito do mundo onde eu já estive até agora. E em tão
boa companhia!
Subindo ao Wayna Pichu
À saída de Machu Pichu carimbámos
os nossos passaportes com o selo oficial, ao lado do carimbo do Caminho Inca.
Estava feito! Apanhámos o autocarro que desce para Aguas Calientes, que é uma
aldeola horrorosa feita de hotéis, bares e restaurantes, e que existe
unicamente como estação de chegada do combóio que traz turistas de Cuzco.
Encontrámos os nossos companheiros e os nossos guias em amena cavaqueira no
restaurante e aí partilhámos o último almoço todos juntos. A emoção transpirava
por todos os poros, sentíamo-nos como aventureiros que sobrevivem a uma
expedição arriscada, e agora podíamos relaxar, comer, beber e vangloriar-nos do
nosso feito. Chegou o momento da despedida, o Javier e o Edgar tinham de ir à
vida deles, aquele era o ponto final da Waiki Family e daqueles quatro dias no
Caminho Inca. Trocámos contactos, agradecimentos, abraços e algumas lágrimas:
foram os melhores guias que tive o prazer de conhecer até agora.
Muitas pessoas peruanas e
estranjeiras me disseram nos últimos meses que o Caminho Inca perdeu o seu
encanto por se ter tornado num circuito turístico, comercial e demasiado
organizado, e que existem outros trilhos alternativos para ir a Machu Pichu que
são igualmente bonitos e aventurosos e que ainda se podem caminhar sem agências
nem bilhetes de entrada. Eu até concordo, em parte, com esta opinião. Mas
independentemente destes factores, o Caminho Inca é o Caminho Real original que
os incas percorriam na sua peregrinação anual, e é o único trilho que chega
directamente ao Portão do Sol e daí a Machu Pichu – todos os outros trilhos
alternativos chegam a Aguas Calientes, e daí é preciso apanhar o autocarro ou
subir pela estrada. E digam o que disserem, turismos e comercialismos à parte,
o Caminho Inca oficial é um trilho brutal e caminhá-lo é uma experiência
inesquecível. Não me venham cá com tretas.
Depois do almoço tivémos tempo para beber um pisco sour à beira rio
antes de apanhar o comboio de regresso a Cuzco. Aqui ocorreu o segundo e último
contratempo acusável à Waiki Trek: por falta de organização e erro de
entendimento deles há muitos meses atrás, não tinham reservado bilhete de
regresso para mim e para o Ricardo no mesmo comboio em que iriam os restantes
membros do grupo. Assim, tivémos de deixá-los mais cedo para nos voltarmos a
reunir três horas depois na estação de Ollantaytambo, onde nos esperava a
carrinha da Waiki Trek para nos levar a Cuzco. À chegada deles eu e o Ricardo
tínhamos preparado uma pequena recepção com pisco, um modo de retribuir todas
as partilhas de cada um deles durante o Caminho.
Atravessámos o Valle Sagrado e
chegámos a Cuzco às nove da noite. Fomos de novo para o Hostel The Point e
tomámos o primeiro banho em quatro dias. Nunca me questionei se as pessoas em
redor sentiam o nosso cheiro, nos meus olhos estava escrito “Caminhante do
Caminho Inca” e isso respondia a todas as perguntas. Apesar do cansaço ainda tivémos
energia para ir jantar com os canadianos e encontrámos um restaurante peruano
sem turistas. Foi tão estranho estar numa cidade, estar num restaurante, ter
outras pessoas à nossa volta que não os nossos companheiros de grupo! Eu
sentia-me um burro a olhar para um palácio e já começava a ter saudades do
Caminho.
No dia seguinte, sábado,
continuaram as despedidas, e desta vez pesaram-me a sério: o Tiago, o Pedro e a
Cátia terminavam ali a sua viagem, era o fim dos tugas no sul do Perú. Iam
apanhar avião para Lima e daí para Lisboa, enquanto o Ricardo ficava comigo
mais uma semana. O Brad, o Andrew e o Jaff também iam ficar mais um dia em
Cuzco, pelo que o passámos juntos a deambular sem um rumo definido pela cidade,
visitando a Plaza de Armas, o bairro histórico de San Blás, o miradouro da
Igreja de San Francisco, o mercado de San Pedro e o Museu do Chocolate, onde
nos esperava um delicioso chocolate quente e um fondue de frutas. Nessa noite a
Chloe e o Troy juntaram-se a nós para o último jantar de grupo, num restaurante
típico com música ao vivo e comida local regada a pisco sour. Lembro-me de
olhar para todos eles na conversa e de pensar que me sentia tão bem no meio
daquela gente tão diferente de mim e que apenas cinco dias antes não conhecia
de lado nenhum. É curioso o que a vida nos faz quando viajamos: põe-nos lugares
e pessoas no nosso caminho que de um dia para o outro passam a fazer parte da
nossa existência, e que já não podemos apagar. Sentia-me tão feliz! Desejei que
aquela noite durasse para sempre. Ainda fomos a dois bares antes de nos
despedirmos definitivamente: na manhã seguinte os canadianos voavam para Lima,
eu e o Ricardo íamos para o Valle Sagrado, os australianos ficavam por Cuzco
mais uns dias antes de seguirem viagem pela América Latina. Foi uma despedida
difícil, eu senti que me arrancavam uma parte do coração. Sei que a
probabilidade de os voltar a ver é pouca, e de nos juntarmos todos de novo
ainda mais remota é. Mas gosto de pensar que isso pode acontecer, e seja como
for, faremos sempre parte do Caminho Inca um dos outros, essa marca já ninguém
nos pode tirar.
Cuzco vista desde o Miradouro da Igreja de San Francisco
Museu do Chocolate
Eu, Andrew, Jaff, Chloe, Troy, Brad e Ricardo
Último jantar waiky Family (já sem a Cátia)
Museu do Chocolate
Eu, Andrew, Jaff, Chloe, Troy, Brad e Ricardo
Último jantar waiky Family (já sem a Cátia)
Domingo dia nove de junho
amanheceu para mim cinzento e difícil. Ainda não tinha assimilado que os nossos
amigos se tinham ido todos embora, que o Caminho Inca tinha acabado e que Machu
Pichu estava visto (e demorei muito tempo a assimilar). Eu ainda estava lá em
cima, e o meu corpo movia-se com esforço como um invólucro sem alma. A
perspectiva de seguir viagem por mais dois dias pelo Valle Sagrado e depois
voltar a Ayacucho parecia-me irrealizável, toda a energia se havia escoado do
meu ser. Mas a PachaMama vela por mim e deixou-me o Ricardo para me “carregar
emocionalmente” durante os dias seguintes, em que eu andei nostálgica,
tristonha e não fui a melhor das companhias. Obrigada Ricardo, este é o meu
pedido público de desculpas para ti! Depois do pequeno-almoço no mercado de San
Pedro apanhámos o autocarro para uma das aldeias chave do Valle Sagrado: Pisaq,
famosa pelo seu mercado dominical e pelo complexo arqueológico cuja área e
nível de conservação o fazem rival de Machu Pichu. Era uma aldeia de passagem na
peregrinação para o santuário, e a enorme vantagem de não vir num tour
organizado desde Cuzco é a possibilidade de deambular pelas ruínas vazias
depois dos turistas irem todos embora ao final da manhã. Aqui conhecemos o
último guia da nossa viagem, o taxista Fredy, que passou este dia conosco e nos
levou a conhecer os tesouros do Valle Sagrado: depois das ruínas de Pisaq, as
salinas de Maras e os terraços agrícolas incas de Moray. Ao final do dia
deixou-nos em Ollantaytambo, onde já tínhamos estado no inícío e no final do
Caminho Inca mas que não tínhamos tido oportunidade de visitar.
Ollantaytambo é uma vilazinha
catita, uma espécie de Cuzco em miniatura, com a sua Plaza de Armas, o mercado
e as ruas sinuosas da época inca em redor. Era a última grande cidade do Valle
Sagrado antes do Caminho se embrenhar nas montanhas em direcção a Machu Pichu,
e foi até aqui que os espanhóis chegaram. Hoje em dia é um centro turístico que
alberga um parque arqueológico extremamente bem conservado na encosta de uma
das montanhas que rodeiam a vila. Na noite de domingo dormimos no hostel Chaska
Wasi (“A casa do Gato”), que nos tinha sido recomendado por um viajante inglês
velhote que conhecemos no dormitório do The Point em Cuzco. Era um hostel muito
quentinho e acolhedor, e a dona uma senhora bastante jovem e enérgica. No dia
seguinte visitámos as ruínas incas, não só as que estão dentro do parque
arquológico na montanha à direita da cidade, e que se tem de pagar bilhete de
entrada, mas também as que estão na montanha à esquerda da cidade, e que
inacreditavelmente estão abandonadas e não é preciso pagar para lá ir. Claro
que esta segunda parte foi muito mais interessante: não havia turistas, não
havia trilhos nem caminhos definidos, tínhamos de nos encavalitar nas rochas
para chegar às ruínas e andámos à nossa vontade. Para mim, Ollantaytambo é o
ponto alto do Valle Sagrado. Quem tiver só um dia para cá vir, tem de vir aqui.
Foi o nosso último dia de
viagem. E foi o dia em que fez oito meses que eu cheguei ao Perú. Almoçámos no
mercado e à tarde voltámos a Cuzco. Tínhamos vontade de dar um último passeio antes
de empreender o regresso a Ayacucho, eu queria muito despedir-me da cidade, mas
o autocarro era às sete da tarde e quando fomos comprar os bilhetes já não
tivémos tempo de sair do terminal. Jantámos por lá e matámos o tempo até ser
hora. A viagem para Ayacucho foi interminável: trocámos de autocarro em
Andahuayllas, onde tivémos de esperar duas horas durante a madrugada; ficámos
parados duas horas em Chincheros por causa de obras na estrada, onde
aproveitámos para almoçar às dez da manhã do dia seguinte; ficámos mais três
horas parados em Ocros pelo mesmo motivo, onde vimos o jogo Perú – Colômbia de
qualificação para o mundial, e jantámos às quatro da tarde. Chegámos a Ayacucho
às oito da noite de terça feira dia onze de junho depois de vinte e cinco horas
de autocarro. Foi um choque para mim voltar para casa depois de duas semanas e
meia de uma viagem que me mudou irreversivelmente. O meu coração ficou em
Cuzco, o meu corpo chegou a Ayacucho, e desde então a minha mente anda a tentar
reconciliar os dois mas não está a ser tarefa fácil.
O verdadeiro viajante tem a
mente aberta para os “olás” e o espírito tranquilo para os “adeuses”. É este
conceito que me tem permitido conhecer pessoas tão lindas e interessantes que
enriquecem enormemente a minha experiência de vida e contribuem para o meu
crescimento pessoal. Mas este adeus está a ser muito difícil! Os lugares e as
pessoas desta viagem marcaram-me indelevelmente e quero guardá-las cá dentro
para sempre frescas e intactas como se tivesse sido hoje. Quero protegê-las da
passagem do tempo e da bruma dos anos, sobrevivê-las ao esquecimento e à
distância. Como se tivesse sido sempre hoje. Como se ainda estivesse no Caminho
Inca, no Intipunku, no instante da primeira vista sobre Machu Pichu. Esta
esperiência marcou-me tanto que tenho vontade de escrever no meu passaporte:
Sílvia Amaral, vinte e nove anos, portuguesa, caminhante do Caminho Inca.
O Caminho faz-se caminhando, e o
mais importante não é chegar: o mais importante é caminhar.