Desde muito nova que eu queria
fazer voluntariado. Inspirada por uma série de motivações diferentes, mas
sobretudo pelo sentido de injustiça da vida e a dependência do dinheiro. Com o
passar dos anos este sonho foi posto de lado, na verdade não sei bem porquê.
Talvez por ter começado a trabalhar, ter alugado uma casa que adorava, ter
criado uma vida pessoal e social que me faziam sentido e tudo isso se ter
tornado, pouco a pouco, um “percurso de vida normal” que a cada ano me parecia
menos sensato abandonar. Então, fazer voluntariado foi-se tornando numa nuvem
utópica e vaga para a qual eu já olhava de longe e sentia que já tinha passado
o tempo de o fazer.
É muito curioso pensar nas
decisões que tomamos, porque as tomamos e onde nos levam. Quando olho para trás
sinto que a minha decisão de abandonar o percurso de vida que estava a seguir
parece muito repentina, e de certa forma foi. Em três meses passei de uma
conversa abstracta à mesa de um café para uma busca intensiva e para a
concretização da partida. Mas simultaneamente não foi uma surpresa. E de facto
quase nenhum de vocês reagiu com incredulidade à minha notícia. E agora quando
penso nisso, à distância de vários meses desde o momento da decisão, cada vez
me parece mais que eu estava mesmo à espera disto. Apesar de não o saber.
Agora que estou aqui no Perú há
quase dois meses, e que “esta vida” já se converteu na minha vida quotidiana, e
em que o que está desse lado do Atlântico, apesar de suspenso à minha espera,
se vai tornando pouco a pouco numa “vida passada” (porque depois de eu voltar
nada será como era antes de eu partir) sinto que se há decisões que mudam a
nossa vida definitivamente, vir para o Perú fazer voluntariado vai mudar a
minha vida. Definitivamente.
Ainda não sei dizer como, nem em
quê. Ainda sou a mesma Sílvia que saiu de Lisboa (com a diferença de estar
quase a fazer vinte e nove anos, e isso é muito estranho). Mas em cada dia
nesta realidade tão diferente abro os meus horizontes para as inúmeras
possibilidades desta vida que nunca antes tinha sequer imaginado. Tenho
conhecido gente de diferentes partes do Perú e do mundo com empregos deveras
interessantes, que não passam oito horas por dia fechados num escritório atrás
de um computador, a olhar para o relógio desejando que as horas passem, que não
têm uma vida aborrecida. Pessoas de várias idades que desempenham funções úteis
e produtivas para outras pessoas com necessidades reais, e que são pagas para
isso. Pessoas cujo trabalho é mesmo importante, e muda a vida de outras pessoas
para melhor. É inacreditável o valor que os europeus e americanos com formação
superior têm aqui. É inacreditável a quantidade de ONG’s que existem neste
país, abarcando as mais variadas áreas de trabalho, que procuram profissionais
qualificados para suprir as mais variadas necessidades (básicas e menos
básicas) que neste país as pessoas têm. É inacreditável. E é revoltante olhar
para o meu país e para o meu continente e constatar que tenho de vir tão longe
para ser tão valorizada, quando em casa sou “mais uma”.
Na verdade eu não me posso
queixar. No último ano antes de vir para cá tive a sorte de o meu trabalho ser
valorizado e as minhas qualidades profissionais e pessoais serem reconhecidas.
E isso não dependia só do meu mérito, mas também do bom fundo dos meus
interlocutores. O que estou a descubrir agora é que a vida não tem de ser
aborrecida. De facto, a vida é demasiado curta e efémera para que possamos
aceitar que seja aborrecida! O António Variações cantava: “Muda de vida se não
vives satisfeito, estás sempre a tempo de mudar.” E eu vim para o Perú
descubrir que nós temos, efectivamente, o poder de a mudar! Temos mesmo! *
Fotos tiradas durante um concurso de skate no centro Mama Alice no bairro Keiko Sofia
PS: Vou estar
ausente por uns dias. Vou ali num instante ao Lago Titicaca e à Bolívia
festejar dois meses de Perú.
Olá amiga Sílvia!
ResponderEliminarGostei especialmente deste teu "post". Desse teu sentir que vem duma reflexão interior. Uma aprendizagem que vens fazendo quotidianamente e que "sabes que te irá transformar" (mesmo que ainda não tenhas a consciência total disso). Que bom saber-te assim a desfrutar duma nova realidade. Um grande abraço do amigo António Serra.