quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

DIA 55 – MUDAR DE VIDA


                Desde muito nova que eu queria fazer voluntariado. Inspirada por uma série de motivações diferentes, mas sobretudo pelo sentido de injustiça da vida e a dependência do dinheiro. Com o passar dos anos este sonho foi posto de lado, na verdade não sei bem porquê. Talvez por ter começado a trabalhar, ter alugado uma casa que adorava, ter criado uma vida pessoal e social que me faziam sentido e tudo isso se ter tornado, pouco a pouco, um “percurso de vida normal” que a cada ano me parecia menos sensato abandonar. Então, fazer voluntariado foi-se tornando numa nuvem utópica e vaga para a qual eu já olhava de longe e sentia que já tinha passado o tempo de o fazer.

                É muito curioso pensar nas decisões que tomamos, porque as tomamos e onde nos levam. Quando olho para trás sinto que a minha decisão de abandonar o percurso de vida que estava a seguir parece muito repentina, e de certa forma foi. Em três meses passei de uma conversa abstracta à mesa de um café para uma busca intensiva e para a concretização da partida. Mas simultaneamente não foi uma surpresa. E de facto quase nenhum de vocês reagiu com incredulidade à minha notícia. E agora quando penso nisso, à distância de vários meses desde o momento da decisão, cada vez me parece mais que eu estava mesmo à espera disto. Apesar de não o saber.

               Agora que estou aqui no Perú há quase dois meses, e que “esta vida” já se converteu na minha vida quotidiana, e em que o que está desse lado do Atlântico, apesar de suspenso à minha espera, se vai tornando pouco a pouco numa “vida passada” (porque depois de eu voltar nada será como era antes de eu partir) sinto que se há decisões que mudam a nossa vida definitivamente, vir para o Perú fazer voluntariado vai mudar a minha vida. Definitivamente.

              Ainda não sei dizer como, nem em quê. Ainda sou a mesma Sílvia que saiu de Lisboa (com a diferença de estar quase a fazer vinte e nove anos, e isso é muito estranho). Mas em cada dia nesta realidade tão diferente abro os meus horizontes para as inúmeras possibilidades desta vida que nunca antes tinha sequer imaginado. Tenho conhecido gente de diferentes partes do Perú e do mundo com empregos deveras interessantes, que não passam oito horas por dia fechados num escritório atrás de um computador, a olhar para o relógio desejando que as horas passem, que não têm uma vida aborrecida. Pessoas de várias idades que desempenham funções úteis e produtivas para outras pessoas com necessidades reais, e que são pagas para isso. Pessoas cujo trabalho é mesmo importante, e muda a vida de outras pessoas para melhor. É inacreditável o valor que os europeus e americanos com formação superior têm aqui. É inacreditável a quantidade de ONG’s que existem neste país, abarcando as mais variadas áreas de trabalho, que procuram profissionais qualificados para suprir as mais variadas necessidades (básicas e menos básicas) que neste país as pessoas têm. É inacreditável. E é revoltante olhar para o meu país e para o meu continente e constatar que tenho de vir tão longe para ser tão valorizada, quando em casa sou “mais uma”.

                Na verdade eu não me posso queixar. No último ano antes de vir para cá tive a sorte de o meu trabalho ser valorizado e as minhas qualidades profissionais e pessoais serem reconhecidas. E isso não dependia só do meu mérito, mas também do bom fundo dos meus interlocutores. O que estou a descubrir agora é que a vida não tem de ser aborrecida. De facto, a vida é demasiado curta e efémera para que possamos aceitar que seja aborrecida! O António Variações cantava: “Muda de vida se não vives satisfeito, estás sempre a tempo de mudar.” E eu vim para o Perú descubrir que nós temos, efectivamente, o poder de a mudar! Temos mesmo! *

Fotos tiradas durante um concurso de skate no centro Mama Alice no bairro Keiko Sofia 









PS: Vou estar ausente por uns dias. Vou ali num instante ao Lago Titicaca e à Bolívia festejar dois meses de Perú.

1 comentário:

  1. Olá amiga Sílvia!
    Gostei especialmente deste teu "post". Desse teu sentir que vem duma reflexão interior. Uma aprendizagem que vens fazendo quotidianamente e que "sabes que te irá transformar" (mesmo que ainda não tenhas a consciência total disso). Que bom saber-te assim a desfrutar duma nova realidade. Um grande abraço do amigo António Serra.

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