Eu nunca tive muito espírito
natalício. Nunca fui de ansiar pelo Natal quando ainda falta mais de um mês, e
mesmo quando montava a árvore com a minha mãe no feriado de oito de dezembro ainda
me parecia demasiado cedo para começar a desejar “Boas festas” às pessoas. Para
mim, Natal é a semana antes em que se fazem jantares de amigos e de colegas de
trabalho, a tarde de vinte e quatro a fritar doces com a minha mãe, a Ceia, a
Missa do Galo e o dia vinte cinco.
Este ano o espírito natalício
foi ainda mais tardio. Talvez por dezembro ter sido o mês mais quente desde que
cheguei a Ayacucho, e andar de calções e t-shirt não ser compatível com a minha
noção de Natal, talvez por estar longe de casa e inconscientemente me defender
das saudades pensando noutras coisas, e talvez também por aqui não haver
iluminação decorativa e música na rua.
Assim, este ano o meu Natal
começou muito timidamente no dia vinte e um com a festa Mama Alice para as
nossas crianças. Foi uma tarde caótica mas muito divertida com mais de cem
miúdos a correr, a dançar, a lanchar e a receber uma prenda. A meio da festa os
meus alunos de música cantaram a canção “Feliz Navidad” que tínhamos andado a
ensaiar nos últimos dois meses, e apesar de eu ter ficado um nadinha
desapontada com a prestação deles por causa da timidez e da vergonha, dado a
boa perfomance com que já me tinham brindado durante as aulas, a reacção das
outras crianças e do pessoal da associação foi muito positiva. Parabéns e
obrigados emocionados, e a Freddie (a fundandora) com lágrimas nos olhos. E,
obviamente, o mais importante: os meus pequenos cantores felizes e muito
orgulhosos de si mesmos. E eu deles.
No sábado vinte e dois tivémos o
almoço de Natal para a equipa Mama Alice. Montámos tendas de casamento no
pequeno jardim da sede porque estava a chover torrencialmente, e passámos a
tarde a comer, a beber e a conversar. Cada trabalhador podia trazer um
convidado e foi muito interessante conhecer os maridos, as esposas ou os filhos
dos meus colegas de trabalho. E também foi um pouco assustador descubrir que
quase todos são casados e têm filhos. E quase todos são mais novos do que eu.
Eu sinto sempre que sou a benjamim do grupo mas aqui no Perú já estou quase na
idade sénior. Detalhes. Foi também neste
dia que eu e a Celsa decidimos montar uma árvore de Natal improvisada,
totalmente ecológica aproveitando um resto de uma árvore podada e reutilizando
materiais que tínhamos em casa. Com luzinhas e tudo! Só nos faltava o presépio, eu queria comprar um
típico da cerâmica de Ayacucho mas fui-me esquecendo e depois passou.
Foi um fim de semana cansativo,
porque no dia seguinte tivémos a festa de Natal para os adolescentes que
frequentam os nossos centros, e apesar de ser domingo saímos de casa às oito da
manhã. O programa consistía em jogos tipo gincana, em que cada trabalhador
estava responsável por um jogo ou por uma equipa de adolescentes. Eu confesso
que não tinha vontadinha nenhuma de estar presente, não só por ser domingo e já
estar cansada de tanta actividade natalícia, mas sobretudo porque eu não
trabalho com os adolescentes nos centros, só com as crianças, e estava algo
preocupada com a minha interacção com esse seres de idade difícil. Mas os
miúdos portaram-se bastante bem e acabei por me divertir muito na galhofa com
eles. Só me esqueci outra vez do protector solar e acabei a manhã vermelha que
nem um tomate. É que aqui em Ayacucho quando chove é um dilúvio, e quando está
sol é um churrasco.
Finalmente chegou o dia vinte e
quatro. Foi um dia muito bom. Acordámos tarde, fomos ao mercado, passeámos pelo
centro apinhado de gente, estivémos em casa a ler e a ouvir música e a
borregar, e apesar do nó na garganta pelas saudades comecei a sentir que sim,
já era Natal. Ao final do dia fomos jantar a casa da Freddie que tinha
convidado os “desfamiliados” para passar a Consoada com ela. Tenho a dizer que
foi uma noite de Natal completamente diferente do que estou habituada, passada
entre amigos e não com a família, em que começámos a jantar às dez e acabámos
às três da manhã, e entre pratos conversámos e vimos filmes. Éramos sete: a
Freddie, a Celsa, eu, o nosso amigo Juan que também não tem família aqui, a
Angela e a Vicky (também trabalhadoras Mama Alice) e a pequena Valéria, a maior
alegria da festa.
À meia-noite Ayacucho rebentou em foguetes por toda a parte, pois no
Perú a tradição é que em cada casa haja fogo de artifício privado. Do terraço
da sede podíamos ver toda a cidade iluminada e foi um espectáculo bastante
impressionante. Nessa noite demorei muito tempo a adormecer pela quantidade de
comida e bebida que tinha no estômago, e fiquei a ouvir a chuva a bater na
janela.
A família improvisada: Freddie, Celsa, Juan, eu, Vicky, Angela e a pequena Valéria
No dia vinte e cinco decidimos cumprir a tradição e fazer um “almoço de
família”. Chegámos tarde a casa do Juan porque depois da noite anterior ninguém
tinha muita fome, veio também a nossa amiga Pili, e cozinhámos todos juntos,
comemos e passámos a tarde a ver filmes e a não fazer nada. Foi um ócio que me
soube pela vida, e acabei o meu Natal diferente a dar-me conta que em nenhum
momento estive triste ou me senti só, apesar da distância, apesar das saudades,
porque já tenho amigos no Perú que me fazem sentir em casa mesmo nos momentos
em que gostaria de estar em Lisboa. E é por isso que o Perú também já é a minha
casa. Feliz Natal!! *
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