terça-feira, 22 de janeiro de 2013

DIA 73 – UM NATAL DIFERENTE


                Eu nunca tive muito espírito natalício. Nunca fui de ansiar pelo Natal quando ainda falta mais de um mês, e mesmo quando montava a árvore com a minha mãe no feriado de oito de dezembro ainda me parecia demasiado cedo para começar a desejar “Boas festas” às pessoas. Para mim, Natal é a semana antes em que se fazem jantares de amigos e de colegas de trabalho, a tarde de vinte e quatro a fritar doces com a minha mãe, a Ceia, a Missa do Galo e o dia vinte cinco.

                Este ano o espírito natalício foi ainda mais tardio. Talvez por dezembro ter sido o mês mais quente desde que cheguei a Ayacucho, e andar de calções e t-shirt não ser compatível com a minha noção de Natal, talvez por estar longe de casa e inconscientemente me defender das saudades pensando noutras coisas, e talvez também por aqui não haver iluminação decorativa e música na rua.

                Assim, este ano o meu Natal começou muito timidamente no dia vinte e um com a festa Mama Alice para as nossas crianças. Foi uma tarde caótica mas muito divertida com mais de cem miúdos a correr, a dançar, a lanchar e a receber uma prenda. A meio da festa os meus alunos de música cantaram a canção “Feliz Navidad” que tínhamos andado a ensaiar nos últimos dois meses, e apesar de eu ter ficado um nadinha desapontada com a prestação deles por causa da timidez e da vergonha, dado a boa perfomance com que já me tinham brindado durante as aulas, a reacção das outras crianças e do pessoal da associação foi muito positiva. Parabéns e obrigados emocionados, e a Freddie (a fundandora) com lágrimas nos olhos. E, obviamente, o mais importante: os meus pequenos cantores felizes e muito orgulhosos de si mesmos. E eu deles.




                No sábado vinte e dois tivémos o almoço de Natal para a equipa Mama Alice. Montámos tendas de casamento no pequeno jardim da sede porque estava a chover torrencialmente, e passámos a tarde a comer, a beber e a conversar. Cada trabalhador podia trazer um convidado e foi muito interessante conhecer os maridos, as esposas ou os filhos dos meus colegas de trabalho. E também foi um pouco assustador descubrir que quase todos são casados e têm filhos. E quase todos são mais novos do que eu. Eu sinto sempre que sou a benjamim do grupo mas aqui no Perú já estou quase na idade sénior. Detalhes.     Foi também neste dia que eu e a Celsa decidimos montar uma árvore de Natal improvisada, totalmente ecológica aproveitando um resto de uma árvore podada e reutilizando materiais que tínhamos em casa. Com luzinhas e tudo! Só nos faltava o presépio, eu queria comprar um típico da cerâmica de Ayacucho mas fui-me esquecendo e depois passou.


                Foi um fim de semana cansativo, porque no dia seguinte tivémos a festa de Natal para os adolescentes que frequentam os nossos centros, e apesar de ser domingo saímos de casa às oito da manhã. O programa consistía em jogos tipo gincana, em que cada trabalhador estava responsável por um jogo ou por uma equipa de adolescentes. Eu confesso que não tinha vontadinha nenhuma de estar presente, não só por ser domingo e já estar cansada de tanta actividade natalícia, mas sobretudo porque eu não trabalho com os adolescentes nos centros, só com as crianças, e estava algo preocupada com a minha interacção com esse seres de idade difícil. Mas os miúdos portaram-se bastante bem e acabei por me divertir muito na galhofa com eles. Só me esqueci outra vez do protector solar e acabei a manhã vermelha que nem um tomate. É que aqui em Ayacucho quando chove é um dilúvio, e quando está sol é um churrasco.

                Finalmente chegou o dia vinte e quatro. Foi um dia muito bom. Acordámos tarde, fomos ao mercado, passeámos pelo centro apinhado de gente, estivémos em casa a ler e a ouvir música e a borregar, e apesar do nó na garganta pelas saudades comecei a sentir que sim, já era Natal. Ao final do dia fomos jantar a casa da Freddie que tinha convidado os “desfamiliados” para passar a Consoada com ela. Tenho a dizer que foi uma noite de Natal completamente diferente do que estou habituada, passada entre amigos e não com a família, em que começámos a jantar às dez e acabámos às três da manhã, e entre pratos conversámos e vimos filmes. Éramos sete: a Freddie, a Celsa, eu, o nosso amigo Juan que também não tem família aqui, a Angela e a Vicky (também trabalhadoras Mama Alice) e a pequena Valéria, a maior alegria da festa.

À meia-noite Ayacucho rebentou em foguetes por toda a parte, pois no Perú a tradição é que em cada casa haja fogo de artifício privado. Do terraço da sede podíamos ver toda a cidade iluminada e foi um espectáculo bastante impressionante. Nessa noite demorei muito tempo a adormecer pela quantidade de comida e bebida que tinha no estômago, e fiquei a ouvir a chuva a bater na janela.

A família improvisada: Freddie, Celsa, Juan, eu, Vicky, Angela e a pequena Valéria

No dia vinte e cinco decidimos cumprir a tradição e fazer um “almoço de família”. Chegámos tarde a casa do Juan porque depois da noite anterior ninguém tinha muita fome, veio também a nossa amiga Pili, e cozinhámos todos juntos, comemos e passámos a tarde a ver filmes e a não fazer nada. Foi um ócio que me soube pela vida, e acabei o meu Natal diferente a dar-me conta que em nenhum momento estive triste ou me senti só, apesar da distância, apesar das saudades, porque já tenho amigos no Perú que me fazem sentir em casa mesmo nos momentos em que gostaria de estar em Lisboa. E é por isso que o Perú também já é a minha casa. Feliz Natal!! *

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