quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

DIA 125 – JÁ CHEGOU, JÁ CHEGOU MAMA ALICE AO CARNAVAL

No Perú o Carnaval é um evento. Se nós, portugueses, achamos que o festejamos à grande e com um estilo muito próprio, temos de vir aqui para percebermos o que é a verdadeira festa. E de todo o Perú, é nas províncias que este período é festejado com mais emoção e intensidade, e os Carnavais de Cajamarca, Puno e Ayacucho são famosos em todo o país. O que dá origem a um incrível fluxo de turismo interno: nestes dias, a população de Ayacucho triplica.

Tudo começa no princípio de fevereiro com as guerras de água. Esqueçam lá os balões de água no fim de semana de Carnaval. Aqui é um mês inteiro de batalhas campais nas ruas, com balões, pistolas de água e sobretudo baldes. Sim, o pessoal aqui atira baldadas de água aos traunseuntes, sem qualquer pudor ou complacência, e nestas últimas semanas eu desenvolvi uma autêntica técnica de guerrilha urbana para escapar aos ataques. O meu bairro é um dos centros da guerra aquática, e é difícil transmitir a sensação de perigo iminente que sinto cada vez que saio à rua. Ser gringa torna-me num alvo apetecível e não há modo de escapar: ou ando às voltas pelas ruas menos movimentadas, ou acabo encharcada. Aprendi isso às minhas próprias custas. E o mais revoltante é que os putos regozijam-se em atacar-me e gozam comigo na cara. E eu, indefesa, não posso responder-lhes à letra, a sorte deles é que estão demasiado longe para lhes alcançar uma boa palmada. Confesso que já estou bem farta, felizmente que está a acabar.

O Carnaval em Ayacucho foi uma novidade para mim. Aqui a tradição não é mascarar-se de qualquer coisa (isso fazem-no no Halloween), mas vestir-se com os trajes tradicionais da região e sair à rua em desfiles organizados ao ritmo das canções e danças ayacuchanas. Os desfiles duram quatro dias e estão divididos por entidades: no sábado desfilam as empresas públicas e privadas, no domingo é o dia das associações culturais, e segunda e terça-feira desfilam os grupos informais de rua ou de bairro. Segunda e terça-feira são feriados municipais e a cidade pára para ver passar os grupos. Tudo isto acompanhado de muita cerveja, vinho e pisco (aguardente peruana). Os desfiles duram a tarde toda, têm um percurso definido por várias ruas do centro da cidade e a acabar na Plaza de Armas, e à noitinha já é difícil perceber quem está mais bêbedo: se os expectadores se os participantes. Aqui o pessoal leva o sentido de festa mesmo à risca. E consta que a tradição é que nove meses depois do Carnaval nasçam muitos bebés.

Na Mama Alice gostamos de fazer as coisas de um modo diferente, não fosse a Fredy uma holandesa de mente muito aberta, ideias muito originais e energia extra para motivar toda a gente. Por isso, apesar das reacções iniciais de estranheza por parte dos trabalhadores habituados às suas tradições, decidimos que a nossa participação no desfile tinha de ser diferente, impactante e chamar a atenção, para não nos confundirmos na multidão de ayacuchanos vestidos em trajes tradicionais, e para que a nossa presença fosse notada, falada e recordada. Assim, teve a Fredy a ideia genial de criar uma batucada. A direcção artística ficou a cargo da Nati, psicóloga limenha com um sentido de ritmo impressionante e que durante vários anos integrou um grupo amador de percussão. As sequências rítmicas foram inventadas por ela, e foi louvável a sua paciência para ensinar e ensaiar todos os trabalhadores Mama Alice e os adolescentes que frequentam o nosso curso de formação em carpintaria. Praticámos durante três semanas, duas horas por dia, sessenta pessoas, e no final este bando de descoordenados rítmicos transformou-se numa batucada de nível profissional.

Saímos à rua no sábado dia nove de fevereiro às duas da tarde. Em vez de trajes tradicionais íamos vestidos completamente de preto e com a cara pintada de prateado. Os homens levavam chapéus tipo cartola e as mulheres levavam o cabelo despenteado tipo bruxa, e uma máscara de baile. Éramos uma banda super completa e dividida por instrumentos: as tarolas à frente, as campanitas a meio e os bombos atrás. E os nossos instrumentos eram muito peculiares: alguidares e cestas de plástico, garrafas de vidro e bidons de lixo. Havia ainda um grupo de bailarinos a abrir o cortejo. Formávamos um conjunto impressionante e era impossível passarmos despercebidos, graças ao espectáculo visual e sonoro que apresentámos. Fomos a comparsa número trinta e nove num total de oitenta e oito, desfilámos durante seis horas pelas ruas da cidade e tivémos muita sorte com o tempo, porque não houve sol que nos grelhasse e só choveu quando já estávamos a terminar.

E quando entrámos na Plaza de Armas apinhada de gente, focos apontados, câmaras da televisão nacional, coração aos pulos no peito e descarga nervosa pela espinha abaixo, cantámos a plenos pulmões “Somos Mama Alice” e cada um de nós sentiu a recompensa do esforço, cansaço, fome e sede que passámos para chegar àquele momento inesquecível de pura adrenalina. E orgulho. Foi um dos dias mais bonitos e emocionantes que vivi desde que cheguei. E foi um sucesso. Os amigos e as pessoas conhecidas que nos viram elogiaram a nossa originalidade e qualidade. O objectivo de causar impacto, chamar a atenção, ser notados e recordados foi completamente alcançado. E sem pinga de alcoól, há que referir. Também nisto Mama Alice fugiu à tradição.

“Ya llegó, ya llegó Mama Alice al Carnaval. Vamos a desfilar!”
“Arriba, abajo, somos Mama Alice. Derecha, izquierda, siempre Mama Alice.”
“Solo he salido, solo de mi casa, com el destino hacia Mama Alice. Brindamos apoyo en educación, psicologia, salude y sociales, a todos los niños en los locales.”

A batucada Mama Alice no Carnaval de Ayacucho 2013

Mathilda, Pili, eu e Inge

A batucada em acção

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