Meus queridos, esta é a última vez que me dirijo a vós através deste blog, e antes de mais coisas quero agradecer-vos o interesse e a paciência para me ler e o reconhecimento afectuoso que me acalentou as saudades durante os meus dez meses de Perú.
Quando idealizei este post há quase um ano atrás, em simultâneo com o primeiro do blog, imaginei que o escreveria nos meus últimos dias no Perú, mesmo antes de partir, nostálgica, emocionada e com o coração cheio de experiências. E a semelhança dos dois títulos remeteria para o fechar deste ciclo e reviver emoções semelhantes na chegada e na partida, prevendo que viria amar e sentir tanta falta ao ir embora do Perú como havia sentido ao ir embora de Lisboa. Não me enganei nos sentimentos mas afinal já estou em Portugal há quase um mês, e os meus últimos dias em Lima foram tão agitados que não só não pude escrever como quase nem tive tempo para me emocionar e ficar nostálgica antes de partir.
Quando idealizei este post há quase um ano atrás, em simultâneo com o primeiro do blog, imaginei que o escreveria nos meus últimos dias no Perú, mesmo antes de partir, nostálgica, emocionada e com o coração cheio de experiências. E a semelhança dos dois títulos remeteria para o fechar deste ciclo e reviver emoções semelhantes na chegada e na partida, prevendo que viria amar e sentir tanta falta ao ir embora do Perú como havia sentido ao ir embora de Lisboa. Não me enganei nos sentimentos mas afinal já estou em Portugal há quase um mês, e os meus últimos dias em Lima foram tão agitados que não só não pude escrever como quase nem tive tempo para me emocionar e ficar nostálgica antes de partir.
Depois da viagem a Huaraz e
Chachapoyas fiquei de novo alojada na casa dos Missionários Combonianos e
estive alguns dias inactiva para convalescer da minha operação aos olhos. Usava
óculos há vinte e três anos e já tinha pensado muitas vezes em fazer a operação
de correcção a laser, mas o valor do investimento sempre tinha sido proibitivo
para a minha bolsa. Há uns meses atrás a minha querida amiga Tânia, limenha a
viver em Ayacucho, foi operada numa clínica em Lima com um doutor muito
competente e amável, e começou a semear no meu espírito a ideia de o fazer
também. Os preços no Perú são escandalosamente inferiores aos da Europa mas a
qualidade e profissionalismo não deixam nada a desejar (estamos a falar de uma
clínica privada, não do serviço de saúde público peruano), e como já tinha a
referência deste caso de sucesso sem complicações posteriores decidi conhecer o
senhor e fazer os exames de diagnóstico e aptidão quando vim embora de Ayacucho
no final de julho. Nessa altura ficou apurado que eu estava apta a ser operada
(uma questão de espessura de córnea) e marcámos a operação para o dia seguinte
ao meu regresso da última viagem, sete de agosto.
Em virtude de não poder ler, ver
televisão nem estar ao computador nos primeiros dias depois da operação, tive
muito tempo para dormir, comer e passear. E mais uma vez fui alvo da
hospitalidade e carinho dos meus amigos combonianos, imprescindíveis não só
para a minha recuperação física como, sobretudo, para o meu conforto mental no
aproximar das despedidas. Por esta altura já tinha ganho completo à-vontade com
os seminaristas e fortaleci relações de amizade que eu sei que vão ficar para toda
a vida. Encheram os meus dias de convites, conversas e gargalhadas, e confesso
que me refugiei nisso para não pensar que me ia embora em breve, vivendo
intensamente o momento e negando o futuro próximo. Em Lima agora é inverno o
que significa céu cinzento e humidade constante, nada apelativo a passeios, mas
todos os dias saí de casa para ver o mar ali no bairro de Magdalena, e no meu
último fim de semana tive ainda a enorme alegria da visita da Inge e da Tânia,
que vieram de Ayacucho para estar comigo uns dias e nos despedirmos
definitivamente (tantos corações apertadinhos). A operação tinha corrido bem e
a recuperação seguiu o rumo esperado, pelo que neste momento já não uso óculos
e estou a habituar-me tão bem a este novo modo de ver o mundo que daqui a uns
meses já me terei esquecido dos vinte e três anos passados.
Por tudo isto, só agora tenho
oportunidade de me sentar a pensar no que foi o Perú para mim durante estes
meses. E é tão difícil usar as palavras quando o que eu tenho são imagens,
sons, cheiros e emoções que formam um quadro sensorial no meu espírito,
completo mas difícil de transcrever. E vocês já sabem praticamente tudo.
Eu fui para o Perú porque queria
mudar de vida. Criei a oportunidade de realizar em simultâneo dois sonhos
antigos, fazer voluntariado e viajar na América Latina, e fui para tão longe e
durante tanto tempo porque precisava de cortar radicalmente com a minha
realidade para perceber qual era o rumo que queria dar à minha vida. Ao reler o
primeiro post deste blog revivo a dificuldade da partida e recordo que deixei
cá uma vida cheia de lugares e pessoas tão especiais e que me faziam tão feliz,
mas que simultaneamente eu tinha chegado a um ponto em que isso já não era
suficiente e precisava de mudar, mas não sabia como. E quando cheguei ao Perú,
expectante e curiosa (e algo assustada também) não fazia a mínima ideia do que
ia acontecer mas tinha a profunda e convicta certeza de que ia ser genial.
Só podia ser, e não me enganei. O meu amigo seminarista Eddy diz que a esta
certeza se chama fé. Eu digo que se chama Perú. E no Perú não é difícil ter fé
porque a beleza simples da vida apresenta-se-nos com tal intensidade que é uma
evidência, e não uma esperança, que estar lá será sempre inesquecível.
O Perú é um país amável. Não só em
Ayacucho, onde vivi, mas em todos os lugares que visitei nas minhas viagens, as
pessoas são simples, simpáticas e acolhedores, e mesmo nas aldeias mais
perdidas e isoladas das montanhas têm uma atitude curiosa e hospitaleira para
com os estranjeiros. Não encontrei dificuldade em integrar-me e em pertencer,
mesmo que também nunca tenha deixado completamente de sentir que era
estranjeira. A vida é descomplicada, não há stress, há menos necessidades. Há muita
pobreza e muitos problemas sociais, que não posso de modo algum menosprezar
porque estive bem imersa neles, mas a vida é vivida através dos prazeres mais
simples: comer, beber, cantar e dançar, ver filmes, conversar com os amigos,
passear nas montanhas, na praia ou na selva, trabalhar, amar. Claro que esta
minha visão é europeia, no sentido em que eu baixei o meu estilo de vida a um
nível muito simplificado mas nunca deixei de ter mais poder económico que a
esmagadora maioria dos peruanos, que vivem para trabalhar e trabalham para
comer, e por isso era uma privilegiada. E nunca deixei de sentir que era
intelectual e culturalmente mais instruída, de horizontes mais abertos e
perspectivas mais ampliadas, tendo a simplicidade por escolha e não por
obrigação. A simplicidade acarreta ignorância, conformismo e “síndromes de
rebanho”, e em termos de organização, burocracia e serviço público o Perú é,
sem sombra de dúvida, um país ainda muito subdesenvolvido.
Nestas semanas do meu regresso
os amigos e conhecidos que vou encontrando perguntam-me como foi o Perú, e eu sem
saber o que dizer para além de “Foi genial!” respondo com outra pergunta: “O
que é que queres saber especificamente?” Como podem imaginar, é difícil
sintetizar dez meses tão variados numa conversa de café. Posso falar do país,
das paisagens, de Ayacucho, das pessoas, dos amigos, das crianças, do trabalho,
das viagens, das festas, da comida, das rotinas, das distâncias e do clima. Também
posso falar das várias epifanias que tive com o passar do tempo, do que cresci
enquanto pessoa, profissional e mulher, do meu último ano da década dos vinte,
de pela primeira vez desde os vinte cinco anos não me ter sentido angustiada
com a passagem dos aniversários e de ter descuberto o rumo para a minha vida a
longo prazo. Encontrei o que vim à procura.
E também posso falar de como me
sinto em casa nesse país distante e diferente, de como criei o meu lugar a
partir do zero, cativei miúdos e graúdos numa cidade onde não conhecia ninguém
e agora tenho amigos para a vida e pessoas a pedir o meu regresso. Posso falar
do afecto que dei e recebi ao longo de dez meses, dos elogios constantes ao meu
trabalho que aumentaram indelevelmente a minha autoestima e a confiança nas
minhas capacidades, na energia positiva que adquiri progressivamente ao longo
do tempo e na qual passei a confiar totalmente, tendo a convicta certeza de que
sou realmente capaz de fazer tudo o que quiser, se estiver disposta a mexer-me
para isso.
Também posso falar das coisas más, porque as houve e o Perú não é o
paraíso na terra (apesar de ser paradisíaco em muitas coisas). A principal
prova disso é o contínuo sofrimento de milhares de crianças e adultos que cada
dia precisam de dinheiro e apoio internacional para ver acudidas as suas
necessidades básicas e melhoradas as suas condições de vida. E há quem diga, e
com razão, que enquanto houver organizações não governamentais estranjeiras a
fazer trabalho social o governo delega continuamente a sua responsabilidade. Eu
concordo mas ao mesmo tempo penso que se deixar de haver essas mesmas
organizações, as pessoas em risco social e económico vão continuar a morrer de
fome, de doenças, de violência e de falta de educação (que também mata) até o
governo assumir as suas responsabilidades. E enquanto eu contribuo directamente
para que isso aconteça menos, espero que outras pessoas com mais experiência,
formação e poder pressionem o governo do Perú. Eu escolhi fazer a diferença no
terreno enquanto outros podem fazê-la na política, e eu espero que façam.
Mesmo depois de contar tudo isto a quem tenha interesse em ouvi-las
ainda muito fica para dizer sobre a minha aventura solidária no Perú. O essencial
é intransmissível por palavras e tem a ver com as tais imagens, sons, cheiros e
emoções que formam um quadro sensorial muito completo no meu espírito. Em síntese,
posso dizer que o Perú foi a realização de vários sonhos antigos que enriqueceram
a minha vida e me tornaram mais feliz e melhor pessoa, e deixou uma tal carga
positiva no meu presente que só com o tempo verei as suas consequências no meu
futuro.
Conhecem a frase “O fácil é o que já está feito, o difícil é o que
fazemos agora e o impossível é o que leva algum tempo?” Isto para mim é Perú.
Até já!
Vista da minha varanda de casa em Ayacucho.
Olá Silvia,
ResponderEliminarGostei muito de te ouvir na prova oral. Divulgas-te este blog e aqui estou eu a usar esta forma para te abordar. Gostava se possível de ter o teu contacto de email para te poder fazer algumas perguntas pois também estou interessado em fazer voluntariado. (não vi aqui nenhum contacto teu). Especialmente América latina e mais até no Peru, que já visitei e amei também.
Bem haja e parabéns pela aventura e blog! Abraço
jorgemanuel.nelo@gmail.com
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Olá! Tudo bem?
ResponderEliminarFiquei curioso depois de ouvir sua entrevista no Prova Oral.
Agora estou a ler seu blog..
Sou do Brasil e já estive na fronteira do Peru/Bolívia e me aventurei pela Venezuela, que é um lugar bem legal, acho que nas minhas próximas férias passarei no Peru para tomar uma cerveja no Magia Negra! Rsrsrs
Seja feliz!
Namastê
Olá! Fico contente por teres vindo visitar o meu blog e espero que gostes da leitura, obrigada pelo comentário! Não conheço a Venezuela, mas depois de 10 meses na América Latina fiquei com muita vontade de conhecer outros países. Se voltares ao Perú e explorares mais o país não te vais arrepender :) boas viagens! *
EliminarAlô!
ResponderEliminarParabéns pelo blog!
Deve ser interessante ver os 'analytics' do blog e ver o antes e depois da entrevista na Prova Oral ;)
Tudo de bom!!
Obrigada! É verdade, ganhei imensas visualizações e de muitas outras pessoas que não só amigos e familiares :) quanta mais gente conhecer a minha experiência e mais publicidade eu conseguir fazer ao Perú e à Mama Alice, melhor. Agora ando em negociações para a publicação do livro...quem sabe em breve numa FNAC perto de nós!
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