Já cheguei a metade desta minha
estadia no Perú, é o meu recorde de tempo longe de Lisboa. Quando estive em
Itália pelo Erasmus e depois pelo estágio voltei a casa para o Natal e para a Páscoa,
pelo que cinco meses já são uma superação pessoal. E começo a acusar
inignoravelmente as saudades. Nos últimos tempos deito-me e acordo a pensar em
Lisboa com um aperto no coração e sobretudo ao fim de semana lembro-me de hábitos
e rotinas passados e tempos felizes. Por mais pessoas interessantes que esteja
a conhecer aqui, os velhos amigos são parte de mim e fazem-me muita falta. Tenho
muitas saudades vossas.
Por outro lado, Ayacucho já é a
minha segunda casa. Sobretudo por ser uma cidade pequena, já conheço o centro de
uma ponta à outra e os subúrbios assim por alto. Já tenho rotinas definidas,
percursos automáticos que faço sem pensar, lojistas conhecidos e restaurantes
da preferência. Já passei a fase da novidade, da descuberta e do fascínio, e já
vejo Ayacucho na sua verdadeira aparência – o bonito e o feio. Por isso posso
dizer com convicção que o carinho que nutro por esta cidade é verdadeiro e
realista.
Mama Alice já é uma segunda
família. Nunca tinha tido tantos colegas de trabalho, sempre trabalhei em
empresas pequenas. Aqui somos quarenta, já tenho confiança com todos, movo-me
familiarmente pelos vários locais onde trabalhamos e o meu trabalho é
reconhecido: sou da casa, e é uma estranha e óptima sensação. O facto de ter
começado a trabalhar a full-time também catalisou este à-vontade que vem
aumentando desde que cheguei ao Perú. A meados de fevereiro deixei o atelier do
arquitecto onde tinha começado a trabalhar, porque a Fredy (fundadora) me propôs
trabalhar directamente com ela durante as manhãs para ajudar a pôr de pé o novo
projecto da associação, a troco de um salário fixo. O trabalho no atelier não
era assim tão interessante, e o ordenado era bem escasso. Por isso foi uma
benção poder passar a trabalhar na sede durante as manhãs!
À tarde continuo o voluntariado
com as aulas de música e inglês às crianças de primária nos centros de apoio dos
bairros. Reabrimos recentemente com o regresso à escola, depois das férias
grandes (aqui o ano lectivo começa em março e acaba em dezembro) e já tinha
saudades dos meus miúdos. Este ano tenho uma novidade deliciosa: vou trabalhar
duas tardes com os pequenitos de jardim de infância! São TÃO lindos! Já estive
mais longe de agarrar em dois ou três e levá-los para Portugal. Mas o Perú tem
leis austeras quanto à adopção de crianças por estranjeiros, o que me protege
destas ideias perigosas :) Outra novidade é ter começado a dar aulas de inglês
às duas turmas da formação profissional em serralharia que a Mama Alice fornece
a adolescentes provenientes das famílias mais pobres dos bairros onde damos
assistência. São trinta e nove espécimes entre os treze e os dezanove anos,
trinta e sete rapazes e duas raparigas (pobrinhas!). Uma novidade total para
mim, nunca trabalhei com adolescentes, não tenho nenhum tipo de formação para
isto, valho-me apenas da minha intuição e de experiências passadas nos
escuteiros. A linguagem é completamente diferente da que utilizo com as
crianças e o nível de aprendizagem também. Antes da primeira aula com cada
turma estava muuuuuito nervosa, e preparada psicologicamente para uma batalha
campal. Mas não foi assim tão mau, na verdade confesso que foi divertido, os
miúdos só sabem comunicar pelo gozo e gostam de testar limites, mas estão
bastante interessados em aprender e olham-me com curiosidade. Ser gringa tem as
suas vantagens.
Por tudo isto, estou a adorar o
meu trabalho! Os dias passam a voar e quando chego a casa estou tão morta que
só quero cair na cama. Os fins de semana sucedem-se a um ritmo alucinante,
entre tardes de sábado a ler e a dormir sestas das boas e domingos de passeio
ao campo, por isso chego agora aos cinco meses quase sem dar conta. Sei que os
cinco que faltam vão passar ainda mais depressa e não tarda já estou aí. E esse
pensamento dá-me um misto de ansiedade e emoção. Está a tornar-se difícil ter o
coração tão dividido para dois lados que me completam e me fazem tão feliz mas
que estão separados por nove mil quilómetros de distância. O que eu queria
mesmo era trazer Lisboa para aqui, ou levar Mama Alice para aí.
Ah, ainda não tinha contado que
agora somos quatro em casa. Há três semanas chegou a Floor, holandesa estagiária
de medicina que vem fazer voluntariado na nossa área de saúde. Casa de
mulheres, tem sido divertido, apesar de às vezes me sentir um pouquito isolada
por ser a única ibérica com três flamengas. Mas é bom ter a casa cheia, elas
são o meu núcleo familiar aqui em Ayacucho, nunca estamos sós. Lembro-me muitas
vezes da Celsa com muita nostalgia, sinto esse período já tão longínquo que
parece uma outra vida, e dou-me conta da quantidade de coisas que já tenho para
contar do Perú. E só passaram cinco meses. Daqui a mais cinco talvez já possa escrever um livro :)
Ayacucho vista desde cima - a Cruz de Picota, cerca de 3000 metros de altitude
Estamos com saudades tuas =P
ResponderEliminarE eu vossas!
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