segunda-feira, 11 de março de 2013

DIA 150 – UM CORAÇÃO COM DOIS P’s: CINCO MESES DE PERÚ, SAUDADES DE PORTUGAL


               Já cheguei a metade desta minha estadia no Perú, é o meu recorde de tempo longe de Lisboa. Quando estive em Itália pelo Erasmus e depois pelo estágio voltei a casa para o Natal e para a Páscoa, pelo que cinco meses já são uma superação pessoal. E começo a acusar inignoravelmente as saudades. Nos últimos tempos deito-me e acordo a pensar em Lisboa com um aperto no coração e sobretudo ao fim de semana lembro-me de hábitos e rotinas passados e tempos felizes. Por mais pessoas interessantes que esteja a conhecer aqui, os velhos amigos são parte de mim e fazem-me muita falta. Tenho muitas saudades vossas.

                Por outro lado, Ayacucho já é a minha segunda casa. Sobretudo por ser uma cidade pequena, já conheço o centro de uma ponta à outra e os subúrbios assim por alto. Já tenho rotinas definidas, percursos automáticos que faço sem pensar, lojistas conhecidos e restaurantes da preferência. Já passei a fase da novidade, da descuberta e do fascínio, e já vejo Ayacucho na sua verdadeira aparência – o bonito e o feio. Por isso posso dizer com convicção que o carinho que nutro por esta cidade é verdadeiro e realista.

                Mama Alice já é uma segunda família. Nunca tinha tido tantos colegas de trabalho, sempre trabalhei em empresas pequenas. Aqui somos quarenta, já tenho confiança com todos, movo-me familiarmente pelos vários locais onde trabalhamos e o meu trabalho é reconhecido: sou da casa, e é uma estranha e óptima sensação. O facto de ter começado a trabalhar a full-time também catalisou este à-vontade que vem aumentando desde que cheguei ao Perú. A meados de fevereiro deixei o atelier do arquitecto onde tinha começado a trabalhar, porque a Fredy (fundadora) me propôs trabalhar directamente com ela durante as manhãs para ajudar a pôr de pé o novo projecto da associação, a troco de um salário fixo. O trabalho no atelier não era assim tão interessante, e o ordenado era bem escasso. Por isso foi uma benção poder passar a trabalhar na sede durante as manhãs!

                À tarde continuo o voluntariado com as aulas de música e inglês às crianças de primária nos centros de apoio dos bairros. Reabrimos recentemente com o regresso à escola, depois das férias grandes (aqui o ano lectivo começa em março e acaba em dezembro) e já tinha saudades dos meus miúdos. Este ano tenho uma novidade deliciosa: vou trabalhar duas tardes com os pequenitos de jardim de infância! São TÃO lindos! Já estive mais longe de agarrar em dois ou três e levá-los para Portugal. Mas o Perú tem leis austeras quanto à adopção de crianças por estranjeiros, o que me protege destas ideias perigosas :) Outra novidade é ter começado a dar aulas de inglês às duas turmas da formação profissional em serralharia que a Mama Alice fornece a adolescentes provenientes das famílias mais pobres dos bairros onde damos assistência. São trinta e nove espécimes entre os treze e os dezanove anos, trinta e sete rapazes e duas raparigas (pobrinhas!). Uma novidade total para mim, nunca trabalhei com adolescentes, não tenho nenhum tipo de formação para isto, valho-me apenas da minha intuição e de experiências passadas nos escuteiros. A linguagem é completamente diferente da que utilizo com as crianças e o nível de aprendizagem também. Antes da primeira aula com cada turma estava muuuuuito nervosa, e preparada psicologicamente para uma batalha campal. Mas não foi assim tão mau, na verdade confesso que foi divertido, os miúdos só sabem comunicar pelo gozo e gostam de testar limites, mas estão bastante interessados em aprender e olham-me com curiosidade. Ser gringa tem as suas vantagens.

                Por tudo isto, estou a adorar o meu trabalho! Os dias passam a voar e quando chego a casa estou tão morta que só quero cair na cama. Os fins de semana sucedem-se a um ritmo alucinante, entre tardes de sábado a ler e a dormir sestas das boas e domingos de passeio ao campo, por isso chego agora aos cinco meses quase sem dar conta. Sei que os cinco que faltam vão passar ainda mais depressa e não tarda já estou aí. E esse pensamento dá-me um misto de ansiedade e emoção. Está a tornar-se difícil ter o coração tão dividido para dois lados que me completam e me fazem tão feliz mas que estão separados por nove mil quilómetros de distância. O que eu queria mesmo era trazer Lisboa para aqui, ou levar Mama Alice para aí.

                Ah, ainda não tinha contado que agora somos quatro em casa. Há três semanas chegou a Floor, holandesa estagiária de medicina que vem fazer voluntariado na nossa área de saúde. Casa de mulheres, tem sido divertido, apesar de às vezes me sentir um pouquito isolada por ser a única ibérica com três flamengas. Mas é bom ter a casa cheia, elas são o meu núcleo familiar aqui em Ayacucho, nunca estamos sós. Lembro-me muitas vezes da Celsa com muita nostalgia, sinto esse período já tão longínquo que parece uma outra vida, e dou-me conta da quantidade de coisas que já tenho para contar do Perú. E só passaram cinco meses. Daqui a mais cinco talvez já possa escrever um livro :)

Ayacucho vista desde cima - a Cruz de Picota, cerca de 3000 metros de altitude



Photo by Floor Verhoeckx

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