quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Dia 1 – LIMA, “LA HORRIBLE”

Lima é uma mistura de sentimentos contraditórios. Aterrei na capital peruana às seis da manhã, depois de uma hora de espera pelas bagagens, doze horas de vôo, seis horas de escala mais uma de atraso em Madrid, e uma hora de vôo de Lisboa. O tempo estava nublado e húmido. O taxista que me abordou queria cobrar-me mais do que o devido a pagar para o meu destino, mas eu já estava precavida e regateei. E afinal até era um senhor amável e simpático que me falou um pouco sobre a cidade durante a viagem.

Na casa dos Missionários Combonianos, no bairro de Santa Magdalena del Mar, esperava-me uma recepção inesquecível. O Pe. Manuel, amigo do meu pai, e o Pe. Sérgio, italiano, são os responsáveis por esta casa de formação onde moram treze seminaristas para serem futuros missionários. Tinham-me preparado um quartinho amorosíssimo com lençóis cor-de-rosa (onde foram desencantá-los, numa casa de homens, eu não sei) e uma folha na porta a dar-me as boas-vindas. Todos na casa sabiam quem eu era, ao que vinha, e trataram-me desde logo como alguém da família. E foi isso mesmo que senti: senti-me em família, em Lima, no Perú, do outro lado do Oceano Atlântico, do outro lado da América do Sul, a nove mil quilómetros de casa. Caraças!




O Pe. Manuel (português) e o Pe. Sérgio (italiano), primeiros amigos no Perú

Mas Lima foi um choque. O céu nublado permanente (sete meses por ano), a enormidade do espaço, o caos do trânsito, e também o meu cansaço à chegada. Pensamento inicial: ainda bem que não tenho de ficar aqui! No primeiro dia não conseguia situar-me, não conseguia orientar-me, fartei-me de andar a pé nesta cidade à medida dos veículos e não dos peões. Senti-me totalmente descontextualizada, e um autêntico extra-terrestre, porque não abundam turistas por aqui e eu sou terrivelmente “gringa”, sendo impossível passar inobservada nesta terra de gente baixa, pele castanha e cabelo preto. Muito preto.

 A praia de Chorrilhos (Lima sul) vista de Miraflores (Lima centro)

 Jirón Callao, uma das ruas do centro histórico de Lima

Lima, Plaza de Armas 

O cão mais peruano do mundo


As favelas de Lima

Os dias seguintes correram melhor. Talvez por ter dormido muito, pelo tempo passado nesse oásis de tranquilidade que é a casa comboniana, e por o meu lado latino vir ao de cima: orientei-me com os microbuses sem paragens marcadas nem horário definido, mas que estão sempre a passar, orientei-me com as enormes avenidas e os diferentes bairros (Lima tem dez milhões de habitantes; o chamado “centro da cidade” corresponde a Lisboa inteira) e percebi que as pessoas não sorriem e parecem trombudas mas depois de interpeladas até são simpáticas e prestáveis. Até agora, no meu top estão os taxistas, conversadores mas respeitosos, e os polícias que andam por toda a parte (o que é um pouco intimidante...) e me dizem bom dia ou boa tarde quando passo. Sou claramente “gringa”, nada a fazer.

Entretanto tive oportunidade de conhecer o Ádrian, peruano limenho amigo da minha amiga Isabel, que me levou de passeio com um amigo dele, cubano, a ver as praias nos arredores de Lima e a conhecer o bairro de Barranco, uma zona residencial de casinhas baixas e atmosfera tranquila. E a beber a primeira cerveja peruana! E depois, na casa comboniana, pude ainda partilhar de uma tarde de futebol: o meu primeiro jogo sul americano, Perú contra Bolívia nas qualificações para o próximo campeonato mundial. Começaram bem e cheios de fé, corriam que se fartavam e marcaram logo um golo. Depois sofreram um empate e perderam o ânimo…deixaram de correr. Fez-me lembrar qualquer coisa. Terrívelmente português J e descubri-me assim, três dias depois de chegar, a torcer pelo meu novo país de adopção. Uma sensação estranha.

A família comboniana em Santa Magdalena del Mar, Lima

Agora estou à espera da hora de apanhar o bus para Ayacucho. Queria ter partido de manhã, para ver a paisagem nesta viagem de nove horas pelas montanhas até aos dois mil e setecentos metros de altitude em que está a cidade. Mas sou muito lerda. Quando comprei o bilhete não reparei bem na hora, e o autocarro parte à noite…pelo que ao chegar ao terminal não havia bus nenhum à minha espera! Valeu-me o taxista Júlio, que me levou de volta para casa e prometeu voltar à noite para me levar outra vez ao autocarro. Isto depois de me contar a vida toda dele, da mulher e das filhas. Um fixe.

E então passei mais um dia nesta cidade permanentemente nublada mas que já não me choca...primeiro estranha-se depois entranha-se. Anyaway, ainda bem que não tenho de ficar aqui! :)

Sem comentários:

Enviar um comentário