Lima é uma mistura de sentimentos contraditórios. Aterrei na capital
peruana às seis da manhã, depois de uma hora de espera pelas bagagens, doze
horas de vôo, seis horas de escala mais uma de atraso em Madrid, e uma hora de
vôo de Lisboa. O tempo estava nublado e húmido. O taxista que me abordou queria
cobrar-me mais do que o devido a pagar para o meu destino, mas eu já estava
precavida e regateei. E afinal até era um senhor amável e simpático que me
falou um pouco sobre a cidade durante a viagem.
Na casa dos Missionários Combonianos, no bairro de Santa Magdalena del
Mar, esperava-me uma recepção inesquecível. O Pe. Manuel, amigo do meu pai, e o
Pe. Sérgio, italiano, são os responsáveis por esta casa de formação onde moram
treze seminaristas para serem futuros missionários. Tinham-me preparado um
quartinho amorosíssimo com lençóis cor-de-rosa (onde foram desencantá-los, numa
casa de homens, eu não sei) e uma folha na porta a dar-me as boas-vindas. Todos
na casa sabiam quem eu era, ao que vinha, e trataram-me desde logo como alguém
da família. E foi isso mesmo que senti: senti-me em família, em Lima, no Perú,
do outro lado do Oceano Atlântico, do outro lado da América do Sul, a nove mil
quilómetros de casa. Caraças!
O Pe. Manuel (português) e o Pe. Sérgio (italiano), primeiros amigos no Perú
Mas Lima foi um choque. O céu nublado permanente (sete meses por ano),
a enormidade do espaço, o caos do trânsito, e também o meu cansaço à chegada.
Pensamento inicial: ainda bem que não tenho de ficar aqui! No primeiro dia não
conseguia situar-me, não conseguia orientar-me, fartei-me de andar a pé nesta
cidade à medida dos veículos e não dos peões. Senti-me totalmente
descontextualizada, e um autêntico extra-terrestre, porque não abundam turistas
por aqui e eu sou terrivelmente “gringa”, sendo impossível passar inobservada
nesta terra de gente baixa, pele castanha e cabelo preto. Muito preto.
A praia de Chorrilhos (Lima sul) vista de Miraflores (Lima centro)
Jirón Callao, uma das ruas do centro histórico de Lima
Lima, Plaza de Armas
O cão mais peruano do mundo
As favelas de Lima
Os dias seguintes correram melhor. Talvez por ter dormido muito, pelo
tempo passado nesse oásis de tranquilidade que é a casa comboniana, e por o meu
lado latino vir ao de cima: orientei-me com os microbuses sem paragens marcadas
nem horário definido, mas que estão sempre a passar, orientei-me com as enormes
avenidas e os diferentes bairros (Lima tem dez milhões de habitantes; o chamado
“centro da cidade” corresponde a Lisboa inteira) e percebi que as pessoas não
sorriem e parecem trombudas mas depois de interpeladas até são simpáticas e
prestáveis. Até agora, no meu top estão os taxistas, conversadores mas
respeitosos, e os polícias que andam por toda a parte (o que é um pouco
intimidante...) e me dizem bom dia ou boa tarde quando passo. Sou claramente
“gringa”, nada a fazer.
Entretanto tive oportunidade de conhecer o Ádrian, peruano limenho
amigo da minha amiga Isabel, que me levou de passeio com um amigo dele, cubano,
a ver as praias nos arredores de Lima e a conhecer o bairro de Barranco, uma
zona residencial de casinhas baixas e atmosfera tranquila. E a beber a primeira
cerveja peruana! E depois, na casa comboniana, pude ainda partilhar de uma
tarde de futebol: o meu primeiro jogo sul americano, Perú contra Bolívia nas
qualificações para o próximo campeonato mundial. Começaram bem e cheios de fé,
corriam que se fartavam e marcaram logo um golo. Depois sofreram um empate e
perderam o ânimo…deixaram de correr. Fez-me lembrar qualquer coisa.
Terrívelmente português J
e descubri-me assim, três dias depois de chegar, a torcer pelo meu novo país de
adopção. Uma sensação estranha.
A família comboniana em Santa Magdalena del Mar, Lima
Agora estou à espera da hora de apanhar o bus para Ayacucho. Queria ter
partido de manhã, para ver a paisagem nesta viagem de nove horas pelas
montanhas até aos dois mil e setecentos metros de altitude em que está a
cidade. Mas sou muito lerda. Quando comprei o bilhete não reparei bem na hora,
e o autocarro parte à noite…pelo que ao chegar ao terminal não havia bus nenhum
à minha espera! Valeu-me o taxista Júlio, que me levou de volta para casa e
prometeu voltar à noite para me levar outra vez ao autocarro. Isto depois de me
contar a vida toda dele, da mulher e das filhas. Um fixe.
E então passei mais um dia nesta cidade permanentemente nublada mas que
já não me choca...primeiro estranha-se depois entranha-se. Anyaway, ainda bem
que não tenho de ficar aqui! :)
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